NAZARETH E SUA ÉPOCA (PARTE 2): JACOB DO BANDOLIM
Alexandre Dias 08.03.2013
Jacob Pick Bittencourt (1918-1969), além de ser um dos maiores compositores e intérpretes de choro que o Brasil já viu, foi também um grande nazarethiano.
Em 1951, quando tinha 33 anos, gravou oito músicas de Ernesto Nazareth com o regional do Canhoto, que foram depois relançadas em 1955 no LP "Jacob Revive Músicas de Ernesto Nazaré". Depois gravou mais 11 de suas músicas em diferentes LPs, incluindo o antológico Vibrações, de 1967.
Não seria exagero dizer que várias das músicas de Nazareth são hoje tocadas em rodas de choro graças às gravações de Jacob, que pavimentaram o caminho para que diversos outros bandolinistas tocassem suas obras, como Déo Rian, Ronaldo do Bandolim, Hamilton de Holanda, Pedro Amorim e Danilo Brito.
Além dessas 19 gravações, alguns documentos presentes no espólio de Jacob confirmam sua imensa admiração por Nazareth.
Em primeiro lugar, chama a atenção uma tabela datilografada listando a obra completa de Nazareth em ordem alfabética, classificando uma a uma como “fraca”, “boa” ou “ótima”. Colunas subsequentes indicam se Jacob já as havia transcrito para bandolim, se a peça havia sido editada, e se ele possuía a partitura impressa para piano.
Segundo o somatório feito por Jacob, ele possuía 142 partituras da obra de Nazareth. É interessante notar que ele chegou a transcrever para bandolim um grande número de peças que não gravou. São elas: Bambino, Carioca, Chave de Ouro, Divina, Duvidoso, Elétrica, Eponina, Escorregando, Escovado, Famoso, Favorito, Garoto, Guerreiro, Mandinga, Matuto, Perigoso, Ranzinza, Rayon d’or, Reboliço, Remando, Sarambeque, Thierry, Traveso e Tupynambá. É tentador imaginar como Jacob as teria tocado. Essas 24 peças, por sinal, poderiam integrar um disco chamado “O Nazareth que Jacob não gravou”, por bandolinistas de hoje.
Além desta tabela, encontramos uma listagem cronológica de toda a obra (baseada no catálogo da Biblioteca Nacional publicado em 1963), outra listagem de obras por gênero, listagem em ordem alfabética dos dedicatários de cada música destacando os parentes, uma linha do tempo da obra com algumas considerações de Jacob, o nome dos letristas parceiros, e um ensaio biográfico de seis páginas que provavelmente contou com entrevista da D. Eulina, filha de Ernesto.
Jacob, portanto, tinha grande conhecimento da obra e vida de Nazareth.
Em uma famosa roda de choro que realizou com o conjunto Época de Ouro na casa da pianista Neusa França em Brasília, 1967, Jacob afirmou, depois que as pessoas presentes lhe pediram que tocasse o Apanhei-te cavaquinho:
“Mas o Apanhei-te, cavaquinho que eu toco é completamente diferente do que se [].”
[A plateia insiste]. “Não sei. Vamos ver se sai. Eu toco o Apanhei-te, cavaquinho que eu tenho a impressão que Nazareth gostaria de ouvir. É um pouco de presunção da minha parte, ouviu, mas eu tenho a impressão que o Apanhei-te, cavaquinho que ele gostaria de ouvir era esse”. E em seguida tocou-o de maneira lenta, seguindo a indicação que lera na partitura: “muito própria para serenatas”. Clique aqui para ouvir esta gravação.
Em entrevista a Glaucio Gil no programa Show da Noite (TV Globo), em 1965, Jacob apresenta algumas de suas visões sobre Nazareth (clique aqui para ouvir a entrevista):
Glaucio Gil: Agora, você falou inclusive em Nazareth e eu sei que você é uma das maiores autoridades sobre esse compositor, e inclusive você tem vários álbuns gravados com músicas dele. Então eu gostaria de perguntar o seguinte: a que que você atribui exatamente o fato de Nazareth não ser mundialmente conhecido?”
Jacob: Falta de moldura e falta de divulgação. Moldura pelo seguinte: um compositor como Nazareth.... em que pese toda a honestidade que emprestei às gravações que fiz de Nazareth, elas não são suficientes para retratar a verdadeira personalidade do Nazareth. Nazareth foi considerado à época e ainda é, pelos nossos grandes músicos, o Chopin brasileiro. Um Chopin mais popularesco, não resta dúvida. De maneira que é necessário ouvi-lo com uma roupagem mais rica, não apenas na pobreza, vamos chamar assim, de um bandolim e dois violões, de um solo de piano; uma orquestra pequena de 12 ou 15 figuras não havia de dar a grandiosidade que as orquestras estrangeiras dão, mas que infelizmente as nossas fábricas de disco ainda não tiveram a visão suficiente para fazer isso. O dia em que fizerem, você pode estar certo, Nazareth será ouvido como é ouvido Strauss hoje, como é ouvido Lehár, como é ouvido Chopin, etc.
G. Gil: E a que que você atribuiu exatamente o fato de eles não terem partido pra fazer isso então, falta de visão?
Jacob: Bom, talvez, falta de visão, e por outro lado sou obrigado a reconhecer um mercado também pequeno para enfrentar uma despesa tão grande. Porque um disco desses não se faz facilmente com uma pequena orquestra, tem que fazer uma grande orquestra. Torna-se dispendioso, torna-se caro. E os arranjos também têm que ser especiais. Um orquestrador pra fazer um trabalho desses não pode fazer a sopapo, como nós chamamos na gíria. Ele não pode dedicar duas, ou três, ou quatro horas de seu trabalho. Tem que dedicar algumas semanas, talvez. De maneira que tudo isso implica em despesa. E nós não temos ainda um mercado de discófilos suficiente para fazer uma manutenção dessas.
G. Gil: Agora você acredita que, uma vez isso realizado, que o sucesso da música de Nazareth no estrangeiro seria...
Jacob: Ah, seria espetacular, tenho certeza absoluta disto. Porque Nazareth não apenas fotografou e espelhou a alma brasileira. Não. Ele foi mais eclético, ele foi mais além das nossas fronteiras. No fraseado dele a gente vê uma coisa muito mais ampla do que os limites do Brasil.
G. Gil: E qual é assim, há uma dúvida em relação à morte do Nazareth, o que que você nos conta a respeito?
Jacob: Havia uma versão sempre, que eu tinha dúvida, se ele havia se suicidado, ou se ele havia sido vítima de um acidente. Isso foi uma coisa que a história nunca esclareceu suficientemente. E eu, curioso, embora a curiosidade seja mais feminina do que masculina, mas nós somos curiosos, e você também o é, então resolvi fazer uma pesquisa, e fui até o local onde ele faleceu, que alias dizem que era uma cascata, no meio de uma floresta, e tal. O negócio não era assim, tão bonito assim. Era uma represa d’água na Colônia Juliano Moreira, onde ele faleceu, e eu cheguei à conclusão que ele não foi vítima de um acidente. Ele suicidou-se, num momento de lucidez, porque ele estava sendo vítima de uma doença mental. Dir-se-há então, por que então não se noticiou a notícia? Porque não era elegante àquela época a notícia de um suicídio de membro de família requintada, como era Nazareth. Então procurou-se silenciar, botar uma pedra nisso. Agora, em 1965, nós não podemos chegar e esconder a história da música. Temos que fazer documentário e repor a verdade ao seu devido lugar.
G. Gil: [] o seu estudo da música popular brasileira, eu senti em tudo quanto você disse previamente, inclusive quando conversei com você, que você tem uma preocupação absoluta da verdade em um negócio desses.
Jacob: Exatamente.
G. Gil: Você não arrisca conjecturas de jeito nenhum.
Jacob: Não, tudo isso é comprovado. Inclusive, esse levantamento que eu fiz foi fotografado, testemunhado, e testemunhado com gravações, inclusive de pessoas da época que foram personagens desse drama todo.”
Jacob estava se referindo à investigação que fizera em 02/03/1959 na Colônia Juliano Moreira para tentar elucidar a morte de Nazareth, utilizando-se de sua experiência como escrivão titular do juízo de direito da 11ª Vara Criminal do Estado da Guanabara. Durante a visita à instituição, entrevistou funcionários e foi até reserva d’água em que Nazareth morreu afogado.
Cachoeira da represa da Colônia Juliano Moreira
Mesmo passados 25 anos da morte de Nazareth, Jacob foi capaz de realizar uma série de observações detalhadas, que o levaram a concluir com todas as letras: Nazareth não se acidentou, foi um suicídio.
Os argumentos foram expostos por Jacob em uma fita-rolo que permaneceu inédita até os dias de hoje. Abaixo vocês terão acesso à transcrição desta fita, que foi digitalizada e gentilmente cedida pelo Instituto Jacob do Bandolim. Clique aqui para ouvir a gravação na íntegra.
“Relatório de Jacob sobre as diligências que procedeu na Colônia Juliano Moreira para apurar como Nazareth morreu. Dois de Março de 1959 (02/03/1959).
Às sete horas da manhã, em companhia do fotógrafo e auxiliar de enfermeiro Jair, e que além de ser ensaiador de um conjunto regional de doentes e de funcionários que [] que eu [vi] lá da Colônia Juliano Moreira, em companhia dele, e depois de haver falhado um encontro com Medrado, secretário do vice-diretor Quintanilha, saí do centro administrativo antigo da colônia pra me dirigir ao local onde teria falecido Nazareth.
A caminhada começa por baixo de uns arcos que era um aqueduto, do tempo, segundo dizem, imperial, e vai se estreitando o caminho. O automóvel vai até a residência de um funcionário chamado Reginaldo, mas eu não levei o carro, fui a pé. Fui levando equipamento fotográfico e em companhia de um empregado chamado José, e do Jair; éramos três.
Da casa do Reginaldo em diante, o caminho se estreita: há apenas uma picada no meio do mato que depois cada vez vai ficando mais fechado, e encontram-se. Até a altura da casa do Reginaldo ainda se encontra um ou outro doente que por ali transita passeando. Encontra-se também às margens, às vezes, pequenos recantos com fogueiras, com restos de fogueiras armados por doentes que resolvem passar a noite ali.
Cada vez o caminho se estreita mais e vai se tornando mais pedregoso. Ao longo desse caminho há também uma tubulação de água que traz para a colônia água provida da cachoeira e da represa. Esse caminho, além de pedregoso e cheio de limo, torna bastante desinteressante um simples passeio à represa.
Chegando lá, eu [] o ambiente comum a uma cachoeira. Se via ao fundo uma cachoeira que não é grande, é uma cachoeira que não chega nem... é uma fração do que fosse a nossa cascatinha aqui do Alto da Boa Vista. É uma quedazinha d’água de mais ou menos uma altura de uns 12 metros, se tanto, e que vem cair num reservatório de água, de mais ou menos uns 12 metros de largura, pra quem olha de frente, por mais ou menos uns trinta e poucos ou 40 de fundo, que vai até o pé da cachoeira.
Bom, é um depósito de água muito grande, com bastantes pedras no fundo, e a limpeza, a limpidez da água permitiu-me ver que essa profundidade não devia atingir no seu ponto principal, mais talvez do que dois metros e meio a três metros, se tanto, e cheio de pedras grandes, pedras de volume grande no fundo.
Essa represa foi limpa agora, há três dias, na sexta-feira de óbito do administrador Dr. Celso, que é um dentista e administrador da colônia, por uma turma de quinze trabalhadores que foram pra lá retirar a areia que se deposita ali no fundo da represa, dificultando a saída da água.
Bom, a cachoeira ao fundo, mais à frente a represa, e abaixo desta um terreno todo pedregoso com pedras das mais variadas cheias de limo, e com pequenos filetes de água com areia que é justamente o que escoa da represa.
Não dá vontade de absolutamente de se alcançar a represa propriamente dita, a não ser que o calor fosse tórrido, que se tivesse vontade de tomar um banho, o que alias é proibido, porque essa água justamente é a que serve ao fornecimento da colônia.
Bem, eu quero crer que não houve acidente na morte de Nazareth. Houve suicídio. E isso discorda frontalmente da maioria, ou da totalidade, posso dizer, da versão dada pelos funcionários ao fato. Eles acham que foi acidente. Eu acho que foi suicídio. É uma tese perigosa, mas que eu tento provar com a prática que me ensina minha outra profissão, de funcionário da justiça. E de observador das coisas que me prezam.
Primeiro, a largura do paredão da represa onde uma pessoa deve ficar de pé para poder ver a represa como se for um lago é de, mais ou menos, uns 80 centímetros no seu ponto mais largo, e de uns 40 centímetros ou mais ou menos isso, no seu ponto mais estreito.
Podem, perfeitamente, duas pessoas transitarem por cima desse paredão cruzando-se uma com a outra sem o perigo de cair à água. Esse paredão é rigorosamente plano, é feito mesmo pra isso, é uma represa. Não vi, em um extremo ao outro, qualquer pedra onde ele quisesse ficar de pé, por qualquer circunstância, para jogar-se.
[Nazareth] era um homem de educação esmerada. Morreu no mês de fevereiro, presumidamente de calor. Aliás, tenho que averiguar se isso ocorreu dia quatro de fevereiro, foi um domingo ou não, temos que recorrer ao calendário retroativo.
Ele, se tivesse muito calor, se quisesse tomar um banho, por louco que fosse, ele tomaria no conforto de seu apartamento, onde ele tinha até, por sinal, aquele guarda chamado Bento, que já está no meu relatório escrito. Esse Bento não era um guarda da colônia, era um indivíduo encostado lá.
[Colônia Juliano Moreira. Fazenda-sede e antiga residência do administrador, s.d. Coleção Luiz Antonio de Almeida.]
Naquela época, segundo um funcionário de lá, que era guarda já naquela época, um guarda ganhava noventa mil-réis por mês. O seu Bento recebia da família de Nazareth trezentos cruzeiros [sic] mensais para tomar conta do Nazareth. Portanto, ganhando muito mais que um guarda, razão por que ele não fazia questão de ser nomeado guarda, porque ele preferia ser o guarda de Nazareth.
Portanto esse homem tinha que zelar pela sua renda, ele tinha que tomar conta bem de Nazareth. No entanto, Nazareth conseguiu se evadir. Ora, vejam bem, ele não se evadiu para um simples passeio. Porque quem sai, como disse o senhor Medrado, pela bandeira de uma porta, não sai com fito exclusivo de passear, por mais louco que seja.
Ele saiu com um objetivo. Ele saiu com um objetivo, mas que não seria apenas o do simples passear, porque ali nas vizinhanças da colônia há muitos lugares para se passear, lugares pitorescos, lugares bonitos também sem ser a represa. Porque falam na “beleza espetacular” da represa, [mas] não tem beleza espetacular nenhuma. É uma mata inacessível, fechada, toda copada por cima, e que não vejo nela absolutamente encanto nenhum que pudesse atrair, por maior que fosse o lirismo de Nazareth. Por um simples passeio, não encontro.
Além disso, para um homem idoso, um homem com setenta e um anos de idade, homem pesadão com 90 quilos, alto como eu, forte, mas já encanecido, homem de educação, ele nunca se entregou aos esportes, nunca se teve notícia que ele se entregasse a esportes, ele vivia para a música, vivia para o seio da família, esse homem não ia arrebentar os pés, arrebentar o corpo por aqueles caminhos pedregosos nos quais eu arrebentei os meus hoje, com quarenta anos de idade, para atingir uma represa, onde ele ia ver apenas uma caixa cheia de água, com uma queda d’água lá no fundo. Eu não acredito nesse lirismo.
Eu acredito firmemente no seguinte: é que um homem que, vigiado por um guarda que [ganhava] trezentos mil-réis naquela época, mais de duzentos e dez do que um guarda deveria ganhar, este homem conseguiu burlar essa guarda, que tanto atemorizou depois o Bento, foi porque ele tinha um objetivo muito mais sério. Porque senão ele não ia arrebentar os pés por aquele caminho todo etc. e tal. Esse coisa de fugir, arranjar uma situação tremenda, é porque ele já tinha noção das coisas, tinha noção.
Ele era um indivíduo teimoso. O Doutor Alexandre César, que era médico do doente e que residia no mesmo quarto com ele, não admite, não admitiu na época que fosse suicídio, ele admitiu que fosse acidente. Os outros funcionários que eu ouvi também, funcionários à época, inclusive gente que até foi criada lá, no tempo em que a Colônia Juliano Moreira era na Ilha do Governador, quer dizer, gente que já é antiga bastante ali, também não acreditam que fosse suicídio, só acreditam que fosse acidente.
Eu discordo desta versão. Um homem, por mais louco que seja, um homem de educação esmerada, que se evade por uma bandeira de uma porta, faz uma caminhada de uma hora, andando rápido como eu andei hoje, por uma mata fechada inacessível, toda sujeita a perigos, com cobras, com bichos de toda sorte, eu vi micos saltando lá das árvores, quer dizer, é mata fechada mesmo, depois pega um caminho todo pedregoso cheio de limo em que eu tive que me agarrar à tubulação de ferro pra poder passar de uma pedra para outra, não vai simplesmente a uma represa para ver uma caixa d’água. Não é possível. Ele vai com um propósito. Se ele era vigiado, ele naturalmente não tinha ao seu dispor uma corda, uma faca ou um veneno para poder eliminar-se.
Outra coisa também: há um senso natural de auto-segurança no louco. Porque é curioso, eu entrei numa colônia onde hoje estão internadas 4.200 pessoas insanas mentais. Muito bem. Qualquer um desses 4.200 homens é capaz de suicidar-se. Mas não é capaz de, não querendo eliminar-se, sujeitar-se a um perigo de vida. Por exemplo, há certo ponto da picada, em que eu notei que os fios elétricos que levam luz à casa do seu Reginaldo são fios muito baixos, a uma altura de talvez de uns 15 centímetros acima da minha cabeça, quer dizer, a uma altura de mais ou menos dois metros de altura, e fios até descapados pelo tempo, fios elétricos. Então meu empregado observou: “puxa, mas esses fios são muito baixos não é?”. Então o seu Jair me observou: “Ah, mas não há perigo porque louco não bota a mão nisso. Por mais louco que ele seja ele não bota a mão no fio”.
Ora, eu não tive um ponto do trajeto onde eu percorresse com o automóvel que eu buzinasse que os loucos não se afastassem. Todos eles se afastaram. Nenhum ficou no caminho, nenhum ficou no caminho. Quer dizer, todos eles têm sensação de segurança, quando eles não querem eliminar-se. Agora, se eles querem eliminar-se, eles se entregam até ao abandono. Como é comum, às vezes acontece lá. Vi doentes entrarem pela floresta adentro e ficarem lá, e vão ficando, inanimados, não têm absolutamente noção de alimentação, não querem se alimentar, eles querem se eliminar de qualquer maneira, eles se encontram em esgotamento completo. Aí vão até a eliminação. Os urubus depois é que dão noticia aos guardas de que há um homem morto na floresta.
Quer dizer, que eu discordo [dessa] questão do acidente. Eu não admito acidente nessa história do Nazareth. Há outros pontos também interessantes. Aliás, esse fato também da segurança do louco é uma coisa que me foi confirmada por psiquiatras com quem eu conversei lá, e que me foram apresentados também pelo Dr. Quintanilha que é sub-diretor lá. O atual diretor chama-se Dr. [Heitor Carpinteiro] Péres. Quer dizer, foram todos confirmados, por isto. Se você pega numa arma e aponta para um louco, ele, não tenha dúvida nenhuma, ou ele avança para cima de você ou ele foge. Agora ele não manda você atirar, ele não manda você atirar. Porque ele sabe que se ele mandar você pode atirar e ele pode morrer. Então ele avança para descarregar, para conseguir desarmar-te, ou senão ele foge do perigo, uma de duas.
Portanto, eu não quero crer que Nazareth pudesse se expor a tantos perigos por uma mata fechada, para depois chegar e sofrer um simples acidente num lugar onde não tem nada, nada praticamente... Eu não encontro nada para um homem chegar até ali sem se acidentar e fosse se acidentar ali. Eu corri muito mais risco no caminho do que lá. Lá não encontrei risco nenhum. Se ele tivesse que tomar banho por calor ele tomaria no apartamento dele.
Agora, pode-se admitir é o seguinte: é que esse suicídio tivesse sido ou pelo estado doentio, teria sido um estado agudo numa crise que ele tivesse tido no estado dele, ou tivesse sido até por um rasgo de lucidez. Isso é outra coisa. Mas que foi suicídio, para mim foi.
Bem, um homem que viveu um ano e tanto lá dentro, esses dados depois eu vou obter melhor, sem lhe acontecer nada, não ocorreu risco nenhum, etc., por que que o guarda ia deixa-lo acidentar-se lá? Não, não podia ser. E depois havia o propósito evidente de burlar a vigilância do guarda se evadindo pela bandeira da porta. Porque, senão, ele podia perfeitamente chegar e sair a passeio. Não, ele estava desesperado, ele queria sair de qualquer maneira. Quer dizer, havia um propósito nele no fundo disso tudo. Porque quem quer passear, se não pode passear ao meio-dia aguarda um pouco, vai até uma hora, uma hora, vai até duas horas... Agora, quem quer eliminar-se, não... Quem quer eliminar-se tem que se eliminar imediatamente, não espera para o dia seguinte. Ninguém planeja uma eliminação a prazo certo. Uma auto-eliminação a prazo certo. Há a crise de desespero e a eliminação imediata, seja de que maneira for. Da maneira mais absurda. Homens de educação fina, homens de sociedade, etc., têm se matado da maneira mais ridícula e brutal, até com formicida.
Bom, agora, vamos ver se eu me lembro de mais algum detalhe. Há um outro detalhe também que o João Evangelista me esclareceu, que um outro funcionário lá, um velhinho lá, o informou que ele [Nazareth] morou numa pensão da Rua Haddock Lobo há muitos anos. É preciso também esclarecer isso... o que mais..."
Nos post seguinte analisaremos esta questão apresentando outras informações.
Agradecemos ao Instituto Jacob do Bandolim, Sérgio Prata, Pedro Aragão, Luiz Antonio de Almeida e Daniel Angelo.
COMENTÁRIOS
Ildon José Pinto - 14.03.2013
É muito interessante a observação do Jacob sobre o Apanhei-te Cavaquinho e a historia da morte do Ernesto Nazareth. Cada dia a gente aprende mais com o Jacob.
Francisco Pellegrini - 10.03.2013
Muito bom ouvir o Jacob tocando e falando sober Nazareth!