MARCHA FÚNEBRE

COMPOSIÇÃO

1927

1ª PUBLICAÇÃO

1927

Marcha fúnebre, composta em 30 de abril de 1927,  publicada no mesmo ano por J. Carvalho & Cia. e dedicada "à memória do pranteado e estimadissimo Sr. Presidente do Estado de S.Paulo, Dr. Carlos de Campos". Seu manuscrito autógrafo apresenta uma dedicatória ligeiramente diferente: "à memória do inolvidável e querido Presidente de São Paulo, Dr. Carlos de Campos".

É uma das composições “eruditas” de Ernesto Nazareth, a que o autor se referia como "peças de estilo", como a Polonesa, Êxtase (romance), Adieu (romance sem palavras), Noturno, Improviso (estudo para concerto), Mágoas (meditação), Lamentos (meditação sentimental), Elegia (para a mão esquerda), Corbeille de fleurs (Gavotte), Mercêdes (Mazurca de expressão) e o Capricho. O musicólogo Pe. Jaime Diniz afirmou sobre este repertório: “representa — com direito — aquele repertório que (…), não sem receio chamaria mais nobre, ao qual também o nosso criador do tango brasileiro se voltou, vez por outra.” 

Sobre o dedicatário da peça, o biógrafo Luiz Antonio de Almeida explica: "vítima de um ataque cardíaco, morreu, aos 24 de abril, o presidente (como então se designava o governador) de S.Paulo: Carlos de Campos. Ernesto havia se tornado amigo de Campos, que também era músico, quando de sua temporada por aquele Estado. E para reverenciá-lo, dedicou-lhe, a 30 de abril, portanto seis dias depois do infausto acontecimento, uma Marcha Fúnebre (...)".

O biógrafo também especula que tanto a oposição do Carlos de Campos ao movimento revolucionário paulista de 5 de julho de 1924, que lhe rendera grande antipatia popular, quanto o gênero escolhido pelo compositor para homenageá-lo (uma marcha fúnebre) podem responder pelo insucesso comercial da peça, que até 2012 recebeu apenas uma gravação.

Baptista Siqueira, em seu livro Ernesto Nazareth na Música Brasileira (1967) faz uma análise passional sobre a esta época do compositor:

“Vêmo-lo, a partir de 1922, com a alma abalada!… Suas composições musicais, desde então, começaram a sugerir as desilusões, as máguas, a fatalidade do destino implacável!… Encontra-se diante do velho problema econômico-social em que o vórtice da vida tem envolvido impiedosamente, a maioria dos artistas geniais. Esse aspecto negativo, ele não nos pôde ocultar porque, através da linguagem expressiva da música, foi dizendo: Êxtase, Elegia, Dor secreta, Lamentos, Mágoas, Resignação e, finalmente, Marcha Fúnebre. É nessa fase angustiada, de 1927 a 1929, que perde a companheira fiel, D. Theodora Amália de Meirelles Nazareth, com quem se havia unido pelos laços matrimoniais, no ano de 1886”.

No entanto, é preciso lembrar que mesmo imerso em períodos de grande dificuldade e tristeza, Nazareth foi capaz de produzir peças de leveza, graciosidade e caráter alentador como: Cavaquinho, por que Choras? (choro brasileiro, 1928), Quebra-cabeças (tango, 1926), Cruzeiro (tango para piano, 1926), Cubanos (tango, 1926), Proeminente (tango brasileiro, 1926), Desengonçado (tango, 1926), Encantador (tango, 1927), Escorregando (tango, 1923), Feitiço não mata (cançoneta, p.v. 1929), Janota (choro brasileiro, 1926), Mandinga (tango, 1922), Sutil (tango brasileiro, 1928), Tudo sobe!... (tango carnavalesco, 1923), além dos quatro foxtrots, que também são da década de 20, e três marchas carnavalescas de 1930.

Pontuada pelas indicações plangente, suave e mui sentido, esta peça possui um caráter triste singular na obra de Nazareth, onde beleza se mescla com melodias muito inspiradas e construídas de maneira pianística. Curiosamente, Chiquinha Gonzaga também possui uma Marcha Fúnebre, igualmente pouco tocada.

Pe. Jaime Diniz, em seu livro Nazareth – Estudos Analíticos (1963), dedicou 11 páginas a uma análise minuciosa sobre a Marcha Fúnebre de Ernesto Nazareth, com ilustrações de determinados compassos e comparações com marchas fúnebres de outros compositores, como Chopin. Em um trecho, faz um interessante desabafo:

“Aceitaria (talvez, inutilmente) a hipótese de que Nazareth não haveria escrito a sua página sem o conhecimento da Marcha Fúnebre de Chopin. Mas, a minha atitude não deveria significar adesão ao modo de pensar de muitos admiradores do nosso artista, que aprioristicamente afirmam ver Chopin, Chopin e Chopin em tudo que sai da pena de Ernesto Nazareth. A impressão que fica é que esses admiradores nem conhecem bem Nazareth. Nem Chopin. Nazareth escreve uma Introdução para a sua Marcha, em que se deve ver um criador não preocupado em copiar modelos (Chopin… ou Beethoven).”

Um apanhado histórico sobre o gênero também é feito, remontando ao compositor francês François Couperin, autor da primeira marcha fúnebre conhecida para instrumento solo, e a Jean-Baptiste Lully e Krieger, os primeiros a aplicarem este gênero em ópera e em suíte para orquestra, respectivamente.
A respeito de sua forma, que é intro-AA-B, Pe. Jaime Diniz explica:

“A Marcha Fúnebre de Nazareth termina com a segunda parte, como aliás está bem clara a intenção do autor. Tem portanto forma AA-B, que é esquema estrutural mais antigo. Afirma-se que o plano da marcha de Lully era justamente de tipo binário, e que por muito tempo teve seguidores. A forma “da capo” [A-B-A] já pertence à época clássica.”

É interessante observar que Nazareth estrutura as duas partes de acordo com os modelos clássicos, apesar de ter adotado o tipo binário para a sua obra. Na época clássica, a primeira parte devia ser repetida — é o que acontece em Nazareth: a segunda (parte central do tipo ternário), devia ser da mesma extensão que a primeira e acusar o caráter melódico contrastante — é o que a Marcha Fúnebre nos oferece.

Jaime Diniz fala no final de seu texto:

“Tive a tentação de transcrever para orquestra a Marcha Fúnebre de Ernesto Nazareth, e se a isto resisti foi pensando em alguém que, com mais competência, pudesse dar um trabalho definitivo. Deixo aqui, com esperança, a sugestão.”

Este desejo foi realizado por Oswaldo Pinto Barboza (Vavá) quando fez arranjo para banda de sopros, gravado em 1983 no LP Banda de Música de Ontem e de Sempre (FENABB 107) por músicos da Escola de Música de Brasília, e produzido pelo pesquisador José Silas Xavier.

Parte desta peça também foi utilizada na trilha sonora do show Nazareth, dançada pelo Grupo Corpo, e lançada em CD de título homônimo (Independente, GC Nº 001) em 1993, com arranjos e teclados de José Miguel Wisnik. E é sabido também que o pianista Gerardo Parente habitualmente incluía nos seus programas a Marcha Fúnebre de Nazareth, embora nunca a tenha gravado.