POLONESA

COMPOSIÇÃO

1907 (Estimado)

1ª PUBLICAÇÃO

2008

Polonesa, peça de concerto composta em 1907 ou antes, sem dedicatória, e publicada postumamente em 2008 pelo portal Musica Brasilis.

Como se sabe, Nazareth transitava entre o erudito e o popular, seja como pianista ou como compositor. Além de suas dezenas de tangos, valsas e polcas, Nazareth compôs um pequeno número de obras que podemos chamar de “peças de concerto”, por serem claramente inspiradas em compositores do período o romântico, buscando transcender à soirée habitual. Algumas delas são CaprichoImproviso, Noturno, MercêdesFantásticaO nome dela, Marcha fúnebreElegia (para mão esquerda)Polca (para mão esquerda), Mágoas e Lamentos

Esta é uma de suas peças mais virtuosísticas, tendo sobrevivido em um manuscrito de 12 páginas presente na coleção Eulina Nazareth, hoje na Biblioteca Nacional. Até 2012 recebeu apenas uma gravação comercial.

A polonaise é uma dança lenta e fortemente nacionalista, sendo um emblema musical da Polônia. É dançada por casais que andam pelo salão, como em procissão, ao som da música que é sempre em compasso ternário e lento. Seu caráter nobre é refletido pela postura dos casais, que mantêm a cabeça erguida demonstrando dignidade e orgulho. É interessante notar que sua tradição é mantida viva até hoje, sendo por exemplo comum em bailes de formatura de ensino médio na Polônia.

O compasso é sempre ternário, porém, curiosamente, a sensação rítmica é a de uma marcha. Esse caráter marcial é devido à subdivisão rítmica característica, com duas semicolcheias no início do compasso. Sua origem remonta a danças folclóricas e matrimoniais dos séculos 17 e 18, tendo depois se tornado uma dança da corte, o que acabou por determinar a vestimenta utilizada até hoje, à maneira da nobreza. No entanto ela também pode ser interpretada em trajes camponeses. Curiosamente, na mesma época surgiu uma vestimenta feminina com o mesmo nome Polonaise, de enorme popularidade na Europa ocidental e na América do Norte nas décadas de 1770 e 1780.

Um exemplo da dança está disponível em vídeo da companhia de canto e dança Junak em 2007. Outro exemplo, em uma breve visão artística sobre a dança, é cena final do filme “Pan Tadeusz: The Last Foray in Lithuania” (1999).

Inicialmente o gênero polonaise possuía letra, porém com o passar do tempo deixou de ter a participação de cantores e tornou-se predominantemente instrumental. A fonte de mais antiga conhecida é uma coleção de manuscritos de Joseph Sychra de 1772 (com 62 polonaises). Embora seja a grande dança nacional da Polônia, o gênero polonaise foi trabalhado por grandes compositores de diversos países (seja como peças avulsas, ou como partes de uma suíte), como Bach, Händel, Mozart, Hummel, Beethoven, Giuliani, WeberSchubert, Field, Liszt, Saint-Saëns, Wieniawski, Tchaikovsky, Dvorak, Moszkowski,
Arensky, Paderewski, Godowsky e Scriabin. Porém foi durante o curto período entre 1810 e 1849 (correspondentes aos 39 anos de vida de Chopin), que a polonaise encontrou seu apogeu em termos de expressão artística. As 7 polonaises de Chopin estão entre as obras mais reverenciadas do repertório universal, e geraram ecos que viriam a repercutir no longínquo e tropical Brasil do final da Belle Époque, como veremos. Para ler mais sobre a história da dança polonaise, clique aqui.

A cultura polonesa deve ser considerada dentro do contexto da cultura eslava. José Miguel
Wisnik, em seu livro O Som e o Sentido (Companhia das Letras, 1999 2ª ed.), destaca uma importante contribuição musical de compositores desta linhagem cultural: “Se os alemães (e os austríacos) são os campeões da dialética e da filosofia evolutiva que põe a tonalidade em marcha até que ela chegue a se consumir em suas próprias contradições, talvez se possa dizer que os eslavos dão grandes contribuições ao desenvolvimento das texturas: Chopin, Liszt, Mussorgsky, para citar alguns bons exemplos (...). As texturas em Chopin em Liszt, ou nos russos passam também por um outro acontecimento: a volta das escalas modais, pela via das músicas populares nacionais, com seus acentos intervalares característicos e suas consequências sobre a harmonia de extração clássica".

Nazareth, como grande admirador de Chopin, provavelmente foi o primeiro e único brasileiro a compor uma polonaise. A primeira apresentação de que se tem notícia desta peça foi no salão do Club 24 de Maio em 1907, interpretada pelo próprio autor. Depois ela aprece em diversos recitais de Nazareth durante sua turnê pelo estado de São Paulo em 1926: Conservatório Dramático Musical de São Paulo em 02/06/1926; Clube Semanal de Cultura Artística de Campinas (04/07/1926); Clube Campineiro (15/07/1926); Clube Campineiro (19/08/1926); Salão do Conservatório de São Paulo (19/101926); Salão do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo (07/031927). 

Nazareth em geral tocava sua Polonesa no início dos recitais, juntamente com outras “peças de estilo”, como ele próprio as chamava, sendo elas: Capricho, Êxtase, Corbeille de FleursImproviso, Adieu Elegia (para mão esquerda).

Anos depois, Nazareth viria a tocá-la novamente no Rio de Janeiro em um de seus últimos recitais, no Studio Nicolas, em 5 de janeiro de 1932. Na verdade, tratava-se de um recital em despedida ao público carioca, pois Ernesto partiria no dia 15 seguinte para Porto Alegre em excursão artística (onde viria a tocar novamente a Polonesa em 28 de fevereiro na Casa Beethoven). (Para saber mais sobre o Studio Nicolas e seu proprietário, o romeno Nicolas Alagemovits, clique aqui

O programa tocado no “velho Nicolas” foi:

Parte I. Êxtase, Improviso e Polonesa
Parte II. Expansiva e Elegantíssima
Parte III. Brejeiro, Tenebroso, Labirinto, Nenê, Gaúcho e Carioca

Por uma grande coincidência, havia um artista polonês na platéia: o pintor Bruno Lechowski (1887-1941), radicado no Brasil desde 1926, fundador do célebre Núcleo Bernardelli, e que teve entre seus alunos teve entre seus alunos José Pancetti, Yoshiya Takaoka e Yuji Tamaki. No mesmo dia do recital de Nazareth, Lechowski expunha quadros seus no Studio Nicolas, que também era sede do Movimento Artístico Brasileiro, segundo o biógrafo Luiz Antonio de Almeida.

O cronista e pesquisador Jota Efegê narra este episódio:

“Depois de fartamente aplaudido em todas as composições apresentadas, o artista tirou os primeiros acordes da peça que seria o final [da primeira parte]. Seguro, com a maestria de seu dedilhado, mantinha toda a assistência interada, atenta à execução. Ferida a última nota [da Polonesa], quando reboavam aplausos frenéticos por toda a sala, num ímpeto de entusiasmo, o pintor polonês Bruno Lechowski, alvoroçado, correu na direção de Ernesto Nazareth e diante do público surpreendido com tão empolgante gesto, beijou expansivamente, com sofreguidão, o pianista que conseguira com sua arte levá-lo ao delírio. Como tal arroubo não lhe parecesse bastante, foi rápido à sala vizinha onde estava realizando uma exposição de seus quadros, arrancou um deles e ofertou-o a Nazareth.” (Jota Efegê in O Jornal, 10/9/1967, reproduzido no livro “Figuras e coisas da música popular brasileira”, 1978, Volume 1- p.205-206).

Neste link há uma reprodução do quadro Flores, de Bruno Lechowski (Óleo sobre tela - 61 x 50 cm. 1932), possivelmente uma das pinturas que estavam em exposição no Studio Nicolas no dia do recital de Nazareth. Outros quadros de Lechowski são “Os Velhos Corsos I” (óleo sobre tela, 1927) e “Os Velhos Corsos II” (óleo sobre tela, 1927).

Lechowski não foi o único polonês com que Nazareth teve contato. Houve também o pianista Mieczys?aw Horszowski (1892 - 1993), a quem o compositor dedicou seu tango Proeminente (1926), e o curioso encontro com o mítico pianista Arthur Rubinstein (1887- 1982). Segundo o biógrafo Luiz Antonio de Almeida, Rubinstein em sua primeira visita ao Brasil, na década de 10, ouviu Nazareth tocando com pequena orquestra no Cinema Odeon, o que lhe causou uma impressão muito positiva. Mais tarde, na casa de Henrique Oswald, Rubinstein perguntou se ele conhecia o pianista que estava tocando no cinema da Avenida Rio Branco. Oswald disse que sim, e Rubinstein disse então que tinha muito interesse em conhecer a música que estava tocando. Alguns dias depois foi marcado um jantar na mesma residência, para que o ilustre polonês conhecesse o Rei do Tango Brasileiro. Almeida narra o que aconteceu em seguida:

“À noite combinada, minutos após os cumprimentos de praxe, Ernesto tirou do bolso de
seu paletó uma lista para que o colega estrangeiro escolhesse o que gostaria de ouvir.
Rubinstein leu, fez-se surpreso, deu um sorriso e disse, em francês: “ - Não sr. Nazareth,
estas aqui eu também toco... O que eu quero ouvir são aquelas músicas que o senhor estava
tocando lá no cinema!...” (Francisco Mignone em depoimento a Luiz Antonio de Almeida em 1983)

Aqui temos a dialética entre o compositor de concerto e o compositor de sarau. Nazareth talvez achava que sua música não era boa o suficiente para tocar para o mestre polonês, quando na verdade era justamente ela que tinha conquistado Rubinstein. Não só a Rubinstein, mas também ao compositor francês Darius Milhaud que esteve no Brasil entre 1917 e 1919 e chamou Nazareth de genial: “A riqueza rítmica, a fantasia sempre renovada, a verve, a vivacidade, a invenção melódica de uma imaginação prodigiosa que são encontradas em cada obra desses dois mestres [Ernesto Nazareth e Marcello Tupynambá] fazem destes últimos a glória e a jóia da arte brasileira” (Notes Sans Musique, 1949).

Na lista que Nazareth apresentou a Rubinstein, encontravam-se obras de Mendelssohn, Beethoven, Weber, Gottschalk, Arthur Napoleão, Chaminade, GodardRavina e Chopin, dentre outros nomes. Deste último, as seguintes obras estavam listadas: Scherzo No.2 em si b menor, 5º Noturno em fá # maior,Valsa em dó # menor, 1ª Polonaise (Op.26 No.1), 2ª Polonaise (Op.26 No.2)  e 4ª Polonaise (Op.40 No.2)  (listagem manuscrita de Ernesto Nazareth presente no acervo de Luiz Antonio de Almeida, transcrita
por Marcelo Verzoni em Ernesto Nazareth e o Tango Brasileiro - Dissertação de mestrado, UFRJ, 1996).

Como se pode notar, Nazareth mantinha em seu repertório pelo menos seis peças de Chopin, dentre elas três polonaises, e, segundo Francisco Mignone, “tocava quase todas as [quatro] baladas” (documentário Lição de Piano, 1978). Além dessas, eu seu espólio encontramos também os conjuntos completos dos 24 estudos e 51 mazurcas, o que mostra que Nazareth tinha imensa afinidade por esse compositor. Nazareth também compôs outras peças explicitamente chopinianas, como seu Noturno (1920) e a “mazurca de expressão” Mercêdes (1917).

A Polonesa é uma de suas peças mais ambiciosas, ao lado do Capricho e do Improviso. Nela o compositor faz uso da extensão completa do piano (o que se pode observar logo na introdução), e coloca em prática o rico universo pianístico que aprendeu estudando Chopin.