COMPOSIÇÃO
1918 (Estimado)
1ª PUBLICAÇÃO
2008
Mágoas, "meditação" composta por volta de 1918, sem dedicatória, e publicada postumamente em 2008 pelo portal Musica Brasilis. É uma peça de grande profundidade na obra de Nazareth, juntamente com outras peças de concerto como a Polonesa, o Capricho e o Improviso. Até 2012 foi gravada apenas duas vezes.
Outra “meditação” de Nazareth é a peça Lamentos, composta após a morte prematura de sua filha Maria de Lourdes Nazareth (Marietta) em 1917.
A jornalista Andréa Alves, no encarte do CD “Sempre Nazareth” (Kuarup Discos KCD-095, 1997), procura definir esta época da vida de Nazareth: “(…) Mas os tempos de glória haviam passado e o compositor que se via a partir do episódio de 1922 era a expressão de Lamentos, Mágoas, Resignação e Marcha Fúnebre. Neste período morre sua esposa, D. Theodora Amália de Meirelles Nazareth [1929], com quem casou-se em 1886, e também sua filha [1917]. A vivacidade das composições de Nazareth até 1919 dá lugar a um compositor angustiado e solitário.”
Embora não se possa ignorar que Nazareth ainda viria a ter momentos de glória, como sua grande turnê pelo estado de São Paulo durante todo o ano de 1926 vindo inclusive a compor obras de grande brejeirice, o compositor de fato parecia estar em uma fase mais taciturna. Além da progressiva surdez que o acompanhava desde a juventude, os sintomas da sífilis aos poucos se agravavam, resultando em crises nervosas cada vez mais freqüentes. Um episódio sintomático é o que ocorreu em 1930, quando Nazareth estava presente em um recital da pianista Guiomar Novaes, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em que ela interpretou Chopin. Em depoimento ao biógrafo Luiz Antonio de Almeida, a pianista Maria Alice Saraiva narra que, durante o recital: “[Ernesto] foi acometido por uma crise de choro que, não conseguindo controlar, viu-se obrigado a sair do Municipal para evitar ainda mais constrangimentos. Ao deixar o teatro, pegou o primeiro bonde que viu pela frente; nele ficando durante horas, de uma estação final a outra. Quando chegou em casa, muito além do horário previsto, o maestro encontrou seus familiares bastante preocupados, e ainda mais ficaram ao vê-lo com a fisionomia transtornada, olhos inchados de tanto chorar e repetindo sem parar as seguintes palavras:
- Por que eu não sou uma Guiomar Novaes?… – Por que eu não fui estudar na Europa?… – Se eu tivesse ido, eu seria uma Guiomar Novaes!…”
Aqui temos a grande dialética entre “vocação” e “ambição” de Ernesto Nazareth, conceitos amplamente trabalhados pelo pesquisador Cacá Machado em seu livro O Enigma do Homem Célebre (IMS, 2007). Teria Nazareth ambição de ser um compositor/pianista de concerto enquanto que sua vocação era a de um compositor/pianista popular? O conto Um Homem Célebre, de Machado de Assis, serve de pano de fundo para o desenvolvimento da tese de Cacá. Está claro que Nazareth alçou vôos mais altos que o personagem Pestana do conto de Machado, já que não se resumiu a um compositor de polcas de sucesso instantâneo, tendo na verdade criado uma verdadeira revolução na linguagem pianística da música brasileira, que tem ecos até os dias de hoje. Porém, como delineou Cacá Machado:
“(…) diferentemente de Pestana, cujo drama entre a ambição e a vocação sugere uma tensão em estado de aporia, Nazareth teve de tudo: sucesso, celebridade e glória. Mas morreu com a sensação de que não tinha nada”.
Dentre os guardados de Nazareth, há uma folha com anotações diversas suas para lembrá-lo de alguns afazeres. No meio da listagem consta a seguinte frase:
“Mostrar aos Srs. criticos, o que tenho sobre o meu conceito para eles tratarem de mim com mais acerto”
(trecho de folha com anotações manuscritas de Nazareth, de 1931; acervo de Luiz Antonio de Almeida)
Neste bilhete ecoam algumas das mágoas de Nazareth, um compositor que hoje é chamado de “O Chopin Brasileiro”, mas que não chegou a colher os frutos desta glória. Sua obra foi bastante popular durante sua vida, tendo recebido pelo menos 76 gravações entre 1902 e 1934 pelos mais variados intérpretes (um número bastante alto para a época), porém a "ambição" de Ernesto referenciada trata-se de algo muito maior, em que ele seria reconhecido como um grande compositor de obras singulares e tecnicamente elaboradas, para ser tocado em sala de concertos mundo afora.
Este reconhecimento veio postumamente, décadas após sua morte, quando vemos sua obra sendo cada vez mais tocada em salas de concerto como o Carnegie Hall e também exigida em concursos de piano e bancas de exame de universidades e conservatórios.