Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
“A BAIXADA É LINDA”
“A BAIXADA É LINDA”
Em matéria de Alexandre Medeiros, publicada na “Revista Domingo”, do Jornal do Brasil, encontramos muitas coisas interessantes e tristes a respeito da fazenda do Comendador Bernardino, em Nova Iguaçu, onde, em algumas ocasiões, Henrique hospedou Ernesto.
A HISTÓRIA QUE SE PERDEU
A velha sede da fazenda São Bernardino, construída em 1875 pelo comendador português Bernardino José de Souza e Mello, é hoje só uma ruína, cada vez mais castigada pelo tempo. Já teve ladrilhos portugueses nas paredes, móveis coloniais nos salões e abrigou, em noites do Império, a comitiva de Pedro II, em viagem para Minas Gerais ou São Paulo. Algumas palmeiras da imponente entrada ainda estão de pé, mas já não se vê o grande lago, hoje coberto por capim. Não há vestígios da antiga senzala. Tombado pelo Patrimônio Histórico, o conjunto arquitetônico São Bernardino - além da sede da antiga fazenda de cana-de-açúcar, com seus 40 aposentos, há ainda ruínas de dois cemitérios e uma capela - é o retrato fiel de uma região que já foi rica e hoje está esquecida.
O visitante certamente há de reparar o silêncio que inunda o lugar, conhecido como Iguassu Velho, pouco depois de Vila de Cava, Nova Iguaçu. Não há nada ao redor das ruínas, à exceção de alguns meninos que tocam bois e vacas pela estrada de terra. O pau-ferro e as pedras de cantaria que sustentavam a construção foram roubados e vendidos a preço de banana. Não há uma placa sequer que indique o tombamento do imóvel. “Fui empregado da fazenda e ainda peguei os bons tempos, quando tinha um chafariz no pátio interno, salões com espelhos e candelabros. Hoje é só uma lembrança”, recorda, saudoso, José Amaro do Nascimento, de 63 anos, o seu Zequinha, hoje zelador de outra relíquia do Império: o cemitério de Iguassu Velho.
José Amaro trabalhou para o último proprietário da São Bernardino, o italiano Giacomo Gavazzi, que a adquiriu no início deste século (1917), quando os antigos donos, descendentes do comendador português, só utilizavam a fazenda como pavilhão de caça. Depois do tombamento, no Estado Novo, a área foi entregue à Prefeitura de Nova Iguaçu, que a abandonou. Mesmo assim, o visitante pode seguir o roteiro histórico em Iguassu Velho, e lembrar dos tempos em que aquela região, sede do município de Nova Iguaçu, era um grande entreposto comercial.
Havia por ali um braço de mar. Caminho entre Rio e Minas Gerais, Iguassu Velho tinha um porto - conhecido como Porto Iguassu ou Porto Velho -, o maior de uma série de portos às margens do Rio Iguassu, por onde escoavam os produtos da região. A Fazenda São Bernardino, em seu período de maior atividade, chegou a ter mil escravos trabalhando nos canaviais. Hoje não há qualquer plantação no lugar, o Rio Iguassu é um canal sujo e com o curso interrompido pela vegetação. Do porto, não se vê nem ruína. O cemitério da antiga fazenda, dividido em dois - uma parte para os ricos, outra para os escravos - ainda guarda esboços da construção. Na parte dos ricos, hoje um reduto dos despachos de macumba, ainda se podem ler duas inscrições: de um lado do portal, as letras SR; de outro, uma data, 1875 (inauguração). O único vestígio da capela é a torre do sino.
Alexandre Medeiros
DOMINGO (Jornal do Brasil). A baixada é linda. Alexandre Medeiros. Ano 15 - nº 742. Rio de Janeiro, 22 de julho de 1990;