Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
O “ÚLTIMO” BILHETE
O “ÚLTIMO” BILHETE
Entre os pertences de Ernesto Nazareth, encontrava-se um bilhete, dele, destinado ao pai, e que jamais chegaria ao seu destino.
Até 1996, quando o tive em mãos pela última vez, este bilhete ainda se achava colado junto ao prontuário do compositor. Inclusive, nessa oportunidade, além de lhe confirmar a autenticidade também tirei, por meio de xerox, uma cópia para meu arquivo particular.
É o mais importante registro a nos permitir conhecer, mesmo que superficialmente, como então se processava a mente do compositor. Nele podemos, até, observar certa ordem de raciocínio, pois apresenta introdução (“Ao meu prezado Pai”), tema principal (suas queixas) e conclusão (“Adeus a todos...”). E quanto à data (“18 de agosto de 1935”), tratou-se de alguma confusão, obviamente justificável. É interessante, ainda, atentarmos ao fato de Ernesto ter confiado ao genitor suas lamúrias. O que ele poderia esperar de um homem de 96 anos? Realmente, podemos perceber em suas palavras certo comportamento infantil, tipicamente identificado ao quadro neurológico apresentado. Em seguida, também constatamos a revolta do maestro com a filha, a quem trata por “dona” e que teria, em cumplicidade com “dona” Mercedes, feito dele um “sacrificado”. Mais adiante, escreve: “passo muito mal”, para duas linhas depois complementar: “mas estou passando bem de saúde”. E por aí vai, até o preocupante “Adeus a todos”, tão comum à mensagens deixadas por suicidas.
Ao meu prezado Pai
18 de agosto de 1935.
Do Ernesto Nazareth, o sacrificado da
D. Mercedes e da D. Eulina também, passo
muito mal tenho tosse toda noite preciso
de Jatahy, me deixaram como um cachorro
doente, mas estou passando bem de saúde.
Disseram-me que iam trabalhar, me deixa-
ram sem dinheiro e dessa maneira de tra-
tamento chamado, que diabo de descaso pa-
ra mim, que fiz eu de mal Das 4 horas da
tarde e 6 fecham todas as portas, não a-
tendem a ninguem é urgente um automóvel
bem cedo de 12 h. ás 2 da tarde chova ou
não chova são esses os meus procedimen-
tos morais
Adeus a todos do recolhido E Nazareth
ARQUIVO COLÔNIA JULIANO MOREIRA. Jacarepaguá, Rio de Janeiro;