Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
BRUNO LECHOWSKI
BRUNO LECHOWSKI
O pintor, músico e arquiteto polonês Bruno (ou Brunon) Bronislaw Lechowski nasceu em Varsóvia, aos 4 de abril de 1887, e faleceu em Campo Grande, zona-oeste da cidade do Rio de Janeiro, no dia 15 de outubro de 1941. Fundador e professor do “Núcleo Bernardelli”, teve entre seus alunos José Pancetti, Yoshiya Takaoka e Yuji Tamaki. E foi exatamente quando expunha em uma individual no “Studio Nicolas” que se deu o recital de Nazareth.
O REI DO TANGO
Uma tarde elle entrou-me porta a dentro. Percorria o meu bairro, os ensombrados recantos da Urca, como um poeta a beber inspiração naquelles ares que as acacias e os bougainvilles tingem na tristeza saudosa dos crepusculos. Sem chapéo, a sua bella cabeça em desalinho recordava o delirante menestrel de outros tempos, nos ditosos tempos em que a arte vivia apaixonada por elle. A sua voz veio a mim, timida e sussurrante como uma voz de fonte a descantar mysticas melopéas numa pauta de verduras humidas.
Ernesto Nazareth! Bem se o póde chamar de Nazareno no calvario da arte brasileira. Abraçou-me com fraterna amizade. Completamente surdo, já nem mesmo escutando o que toca, esse Beethoven caboclo passou commigo toda uma tarde, ao piano, rememorando cousas vividas e essa musica adorada em que elle se tornou incomparavel.
Então, das suas mãos, que percutiam o teclado como mão de amante sobre um coração que em vão tenta fugir e esquecer, começaram a sahir novas obras-primas, motivos nunca vistos, rythmos inéditos, que Nazareth sondava e revolvia como avarento em escrinio de joias antigas. A seguir, recordou os seus amados tangos, essas composições inegualaveis que lhe deram renome e lhe teriam dado fortuna, se o grande artista não houvesse nascido no Brasil e não soffresse a timidez estiolante que prejudica um futuro e destroe uma vocação.
Conta-se que o illustre Schelling, de regresso á Europa, levou, por muito os ter admirado, uma collecção dos tangos de Nazareth. Pois sempre que os tocava para os attentos auditorios do Velho Mundo, nunca deixou de ser ovacionado, quando não carregado em triumpho, pelo accepipe de sabor exotico que gentilmente offerecia ao publico. Assim foi em Paris, onde eu mesmo em pessoa, pianeiro neophito, inveterado tocador de ouvido, fiz parar uma orchestra de tziganos com as harmonias brasileiras de Ernesto Nazareth.
Gastão Penalva
JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 1932;
O GLOBO NA MUSICA
ERNESTO NAZARETH
De viagem marcada para o sul, Ernesto Nazareth não quis partir sem antes se fazer ouvir em uma sessão de despedida. Há muito, aliás, que o popular artista não era ouvido pelo publico carioca que sempre tanto o apreciou.
Se não nos enganamos, é a primeira vez que este artista se apresenta em recital, pode-se dizer, fechado que vivia em sua modestia e timidez. A coragem que vem correndo nestes ultimos tempos, animando umas tantas iniciativas, deu a Nazareth a coragem, perfeitamente justificada, para se apresentar com os titulos a que tem direito o talento em qualquer modalidade que se apresente. E o sucesso, aliás esperado, não foi pequeno. Poucos dias antes, em uma das conferencias da Associação Brasileira de Musica (que acaba de ser agraciada pelo eminente critico do “Correio da Manhã” - Itiberê da Cunha - com o título de “benemerita” quando apreciou sua actividade em 1931); nesta conferencia, diziamos, Andrade Muricy, com grande justeza de conceitos, collocou no logar devido o modesto, mas valoroso folk-lorista. E então, perante o culto e refinado auditorio foram executados dous dos melhores “tangos” do curioso archivo de Nazareth por um laureado, dos mais talentosos, do Instituto - Arnaldo Estrella.
Sem discutirmos a propriedade da designação - “tango” - para a creação a que Nazareth deu fórma definitiva e interesantissima e sobre a qual temos algumas duvidas; sempre lamentamos, em se tratando de questões do nosso folk-lore, que a esta producção não tivesse destinado ainda o destaque necessario, quando ella é uma das manifestações mais caracteristicas de nossa musica popular. Verdade é que sua divulgação sempre se fez difficilmente, não só pelas escabrosidades de execução que algumas peças apresentam para a technica escassa de tão numerosos interpretes como, talvez, porque haja, ali, certas finuras que pódem não cair, logo, no gôto do povo.
Uma boa percentagem, entretanto, da collecção numerosa que Nazareth baptisou de “tangos brasileiros”, não póde, não deve deixar mais de figurar como typica nos melhores exemplos colhidos na musica nacional. O que ha, nella, de originalidade no feitio, de graça, de verve e, principalmente, de sadio, ninguem mais poderá desconhecer e dá a esta obra um valor consideravel. Sim, porque convém frisar a alegria, o sentimentalismo, o piéguismo ás vezes daquelles tangos são dos que não envergonham pela grosseria ou como explosão mal sã. Sua musica não se casaria bem á palavra canalha, a pedir intervenção policial, que tantas vezes ouvimos pela rua ou no vozerio infernal dos alto-falantes e muito menos á letra infecta, tresandando a cabaret, que orna a maioria dos homonymos argentinos.
A audição de Studio Nicolas foi dividida em tres partes, sendo as duas primeiras dedicadas á peças que, embora aceitaveis como expansão de certos momentos psychologicos do autor, não são, comtudo, do valor das da terceira reservada aos “tangos”, genero em que o autor é mestre e precursor. Ahi foram ouvidos uma meia duzia delles, cada qual melhor, mais saboroso, e que são uma garantia para o renome de Nazareth. Em “extra” foi lhe pedido o “Jongo”, um dos mais empolgantes e curiosos. Outros muitos poderiam figurar brilhantemente ao lado destes.
Antes de começar a audição, Gastão Penalva disse justas e commovedoras palavras sobre a figura tão sympathica do nosso rhapsodo. Trouxe-lhe, como coroa de louros, o testemunho da admiração de H. Oswald pelos tangos do ex-pianista do Odeon. Não é pouco, de certo; mas há ainda muitas outras admirações valiosas de que nós e muitos temos sciencia sobre o caso. Há, tambem, a assignalar o prazer com que muitos pianistas usam, na intimidade, de tal repertorio, sem se animar a fazel-o em publico porque rhapsodias ainda só devem ser tocadas em publico quando de autor estrangeiro, embora os motivos e o desenvolvimento nem sempre possam primar pelo interesse.
Agora, porém, o snobismo vae perdendo terreno, dia a dia, dando logar até a que muito basbaque se aproveite da situação e da natural confusão para “tirar a sua casquinha”, impingindo babozeiras sem valor algum, em que a banalidade é tratada com a maior chulice e estupidez. A cada cousa um pouco melhor que alcance alguma vaga, segue-se uma nuvem de imitações a disputar as vantagens dos “direitos autoraes”!
Entre as realisações planejadas pela A.B.M. uma existe em que figurarão os famosos “tangos” de Nazareth executados por alguns dos nossos melhores pianistas, como illustração de uma palestra sobre os mesmos.
No trabalho de pesquiza e organisação da contribuição nacional ao grande archivo da musica, Ernesto Nazareth há de ter a parte que lhe compete e que lhe será reconhecida, mais tarde, sem grande esforço.
O. Bevilacqua
GLOBO (O). Otávio Bevilacqua. Rio de Janeiro, 11 de janeiro de 1932;