Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
A PENÚLTIMA MORADA (1933)
A PENÚLTIMA MORADA (1933)
E após seis meses e nove dias de internação na Fundação Gaffreé e Guinle, mais um mês e meio em casa, aos 4 de março, sábado, Ernesto Nazareth foi internado na Colônia Juliano Moreira, para Psicopatas, em Jacarepaguá, Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro.
À época, desenvolvia-se junto àquela instituição o inovador tratamento de se aplicar aos doentes mentais atividades agrícolas como terapia ocupacional. Mas para a família Nazareth o que mais interessava era a distância, pois acreditava que isto pudesse desestimular o compositor quanto à sua obstinação por fugir.
O Hospital Colônia de Jacarepaguá, instalado em uma das propriedades mais antigas da região, o Engenho Novo (não confundir com o bairro do mesmo nome), passou à denominação de Colônia Juliano Moreira depois 1930, como homenagem ao Dr. Juliano Moreira (1873/1933), grande defensor dos direitos dos doentes mentais e um dos responsáveis pela “Lei de Assistência aos Alienados”, de 1904.
Em 1912, após ter sido desapropriado pelo Governo do Marechal-Presidente Hermes da Fonseca (1855-1923), a fazenda do Engenho Novo tornou-se o endereço definitivo da colônia de psicopatas da Ilha do Governador; sabendo-se, inclusive, que o translado dos doentes se fizera em carros de bois, aos quais se acorrentaram os mais agitados, evitando-se, assim, possíveis fugas.
De 1907 a 1926, teve como seu diretor o Dr. João Augusto Rodrigues Caldas, cujo nome, desde 1932, batizou a principal via de acesso ao estabelecimento: a Estrada Rodrigues Caldas (antiga Estrada Velha do Rio Grande).
Milagrosamente, algumas construções do tempo do Engenho Novo ainda estão de pé: o aqueduto construído no século XVIII, de estrutura semelhante ao da Lapa e que trazia água do maciço da Pedra Branca, local abundante de nascentes, entre estas a do Rio Grande; o chafariz e a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios (edificada em 1862, no mesmo local da antiga capela do século XVII).
Foi principalmente nas décadas de 1920 e 1930, durante as administrações dos famosos diretores do Departamento de Instrução e Educação, Antonio Carneiro Leão, Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, que tive a oportunidade de lidar e bem conhecer a eficiente e simpática criatura que era Eulina de Nazareth. E foi assim, através dela, que pude conhecer, de perto, em algumas circunstâncias especiais, o já muito falado compositor e pianista Ernesto Nazareth.
Em minha memória, ainda estão bem nítidos dois episódios da vida de Ernesto Nazareth:
O primeiro se refere às suas tarefas, como concertista e professor de música, que eram realizadas em um sobrado da rua da Quitanda, entre as ruas Ouvidor e Sete de Setembro. Estive lá umas três vezes, verificando sempre o grande entusiasmo dos assistentes, quando Ernesto Nazareth tocava suas músicas no piano.
O segundo fato é relativo às falhas de saúde de Ernesto Nazareth, que o deixavam ora irritado, ora deprimido, ora confuso, ora esquisito... Sua filha, Eulina, muito preocupada com a sua situação, acabou aceitando a sugestão dos médicos e o internou numa casa de saúde (Fundação Gaffrée e Guinle). Nazareth não se deu bem lá, demonstrando sinais de loucura, e acabou sendo removido para a Colônia Juliano Moreira. Ali, fui visitá-lo várias vezes, algumas com Eulina, outras sozinho. Que tristeza!... Nazareth raramente apresentava sinais de lucidez respondendo às nossas perguntas.
Quase sempre nos olhava desconfiado, aborrecido, agressivo...
No princípio, parece que houve algumas poucas vezes em que ele pedia para sair... Mas não havia possibilidade de atendimento imediato e quando D. Eulina chegava, ela tinha que constatar que não havia maneira de tirá-lo de lá e levá-lo para onde?... Eulina, indiscutivelmente, procurou sempre atender às necessidades do pai, e se não o levou para outro lugar é porque, na época, não havia outra instituição médica onde pudesse ser recolhido e tratado.
Álvaro de Sousa Gomes
GOMES, Álvaro de Sousa. Depoimento por escrito feito especialmente para o autor. RJ, 14 de janeiro de 1985;
Na Colônia, ele ficou comigo no Pavilhão de Observações (hoje destruído por absoluta falta de conservação), que tinha quartos. Nós tínhamos uma série de doentes que podiam pagar quem cuidasse. Então, arranjamos um quarto para o Nazareth, e ele foi para lá comigo. E o Almeida (administrador) mandou que eu arranjasse um camarada, daqueles de lá, para ajudar a cuidar dele. Quer dizer: eu trabalhava um dia e ele outro. Mas, o responsável era eu. Esse camarada era do Estado do Rio, e foi empregado do finado professor Miguel Couto, um dos médicos mais antigos da Santa Casa. Ele era salineiro lá perto de Cabo Frio. Chamava-se Necar Quintanilha. Ele veio para a Colônia acompanhando uma família que foi morar na Colônia. Esse cara era boa praça, mas descuidava... Com esses caras (os doentes) não se pode descuidar. Descuidou, eles enrolam o sujeito. “Fechar” também não podia. A gente “fechava” um pouco, mas não podia deixar “fechado”...
Bento d’Ávila
ÁVILA, Bento Manuel Moreira de. Entrevista concedida ao autor. RJ, 1979.