Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
“A CATASTROPHE DO GUARANY” (1913)
“A CATASTROPHE DO GUARANY” (1913)
Segundo a imprensa da época, a tragédia aconteceu quando uma esquadra da Marinha de Guerra fazia manobras ao largo da Ponta do Boi, à Ilha de São Sebastião, litoral de São Paulo. Por volta das duas horas da madrugada, o tenente Aurélio Falcão, no comando do Guarany, deu ordens para que se fizessem sinais a uma embarcação que passava próximo ao rebocador, a fim de obter sua identificação. Era o paquete Borborema, da Lloyd, cujo comandante, obviamente não entendendo o que acontecia, pois “havia cerração e o mar estava um tanto bravio” , acabou, por sua vez, presumindo tratar-se de um pedido de socorro, ainda mais que o Guarany achava-se com os motores desligados!... Daí, veio a tragédia: o Borborema, ao retornar, chocou-se com o rebocador de “Mariozinho”.
Dentro de dois minutos, tempo em que as aguas tragaram completamente o Guarany, começou a lucta dos naufragos com os vagalhões do mar alto. A pedaços de madeira, que sobrenadavam, agarraram-se alguns que procuravam auxiliar-se mutuamente cedendo a extremidade de uma taboa ou pau, a que se agarravam, aos companheiros de infortunio. E nessa situação horrivel luctaram uns cincoenta minutos, quando chegaram os soccorros.
Dos 42 homens que se achavam a bordo do Guarany, os navios da esquadra puderam colher apenas 18, não havendo noticia dos outros.
Revista Maritima Brazileira
REVISTA MARITIMA BRAZILEIRA - Anno XXXIII, Num. 4 - Rio de Janeiro, outubro de 1913;
Abalado com a morte do filho e não tendo nem mesmo o consolo de poder enterrar o corpo dele, o Dr. Mário da Silva Nazareth ainda conseguiu forças para cultivar um grande sentimento de revolta, principalmente quanto ao tratamento dado às investigações do acidente, pois o ilustre engenheiro, que também fôra da Marinha, sabia muito bem que a verdade dos fatos estaria sempre sujeita ao corporativismo da instituição. E estava certo. Após 35 dias úteis, veio a público o parecer oficial.
Do inquerito procedido pela capitania do porto resultou a casualidade do sinistro, sem poder attribuil-o positivamente a negligencia, descuido ou impericia de qualquer dos commandantes.
Liga Maritima
LIGA MARITIMA - Anno VII, N. 76 - Rio de Janeiro, outubro de 1913;
(...) a referida commissão de inquerito concluiu pela absoluta casualidade do lamentavel accidente, dadas as condições em que navegavam as duas embarcações em questão.
Revista Maritima Brazileira
REVISTA MARITIMA BRAZILEIRA - Anno XXXIII, Num. 4 - Rio de Janeiro, outubro de 1913;
Segundo a Marinha, uma embarcação sua, comandada por membro de seus quadros, ter os motores desligados em noite de mar revolto, originando, daí, grave acidente, não foi “negligencia, descuido ou impericia”. É óbvio que jamais se pensou em ação criminosa. Todavia, ainda que o autor ou cumpridor da ordem de tirar de ação as máquinas do Guarany, deixando-o à deriva, também tenha perecido na tragédia, fazia-se necessário responsabilizá-lo de alguma forma, e não, simplesmente, em gesto de pieguice cretina, dizer que tudo não passou de “absoluta casualidade”!... E quanto ao fato de os tripulantes só contarem com “taboa ou pau” para o seu socorro, se era uma manobra, espécie de simulação de guerra, não caberia a todos o uso contínuo de salva-vidas atrelados aos seus corpos? E onde estavam os botes ou bóias?
A partir de então, o ilustre engenheiro procurou combater toda aquela vergonhosa situação de forma inusitada nos anais da imprensa carioca, publicando uma série de artigos, por ele pagos, nos principais jornais da Capital Federal; tendo na pessoa do ministro da Marinha, o Almirante Alexandrino de Alencar, o alvo de suas acusações.
Meu primo jamais se recuperou da morte do filho; mandando, inclusive, construir, na parte mais cara do cemitério São João Baptista, um monumento à memória de “Mariozinho”, todo em mármore de carrara e esculturas de bronze. Uma verdadeira fortuna na época. E é curioso quando pensamos que em um dos túmulos mais caros daquele cemitério, não tem ninguém enterrado!...
Julita Nazareth Siston
NAZARETH SISTON, Julita. Entrevista concedida ao autor. Rio de Janeiro, s/d;
No mausoléu, em questão, situado à Aléa 4, 70/E, Jardim Primeiro, encontramos as seguintes palavras:
Á Santa Memoria de meu
idolatrado e modelar filho,
victimado pelos seus dirigentes
na catastrophe do Guarany.
Seu Desolado Pae
Ainda em 1913, não se sabendo se antes ou depois do infausto sucedido, o Dr. Nazareth passou a exercer, sem remuneração alguma, a função de Provedor da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária. Empresário de grande projeção, proprietário da primeira fábrica de artefatos de chumbo do Brasil, ele aceitou de bom grado o convite.
(...) foi chamado para exercer a provedoria da Irmandade, onde extinguiu a dívida de cerca de 2 milhões de contos de réis e reformou todas as suas repartições: a Igreja da Candelária, Educandário Gonçalves de Araújo, no Campo de São Cristóvão, e o Hospital dos Lázaros, onde teve atuação muito destacada, a ponto de tomar parte e presidir um congresso médico de leprólogos, sendo o único que não era médico.
Iberê Nazareth
NAZARETH, Iberê. Artigo transcrito em ata do “II Congresso Brasileiro de Urbanismo” - Clube de Engenharia, Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 1962;
A MÁRIO NAZARETH
Um lázaro, meu Deus!... E, espavorido,
o grupo se desfaz, quando ele passa.
Muito maior que o mal, sua desgraça,
é ver-se desgraçado e repelido...
E do coração, brota um gemido,
que de sua alma estrangula e despedaça...
E pensa, triste: - Ninguém mais me abraça,
e eu, no mundo, também já fui querido...
Que os lázaros, lá fora, a sua mágoa,
assim exprimam, de olhos rasos d’água,
se compreende, mas, nesta Casa, não!...
Eles encontram, neste santo abrigo,
no Dr. Nazareth mais que um amigo,
por terem nele um verdadeiro irmão...
Belmiro Braga
NAZARETH, Iberê. Artigo transcrito em ata do “II Congresso Brasileiro de Urbanismo” - Clube de Engenharia, Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 1962;