Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
TANGO BRASILEIRO
TANGO BRASILEIRO
A música “genuinamente” brasileira foi surgindo a partir de uma série de adaptações feitas por nossos compositores sobre ritmos estrangeiros que por aqui aportaram, principalmente na primeira metade do século XIX. Ou seja: ao incrementarem a rítmica nativa nos gêneros de fora, esses músicos acabaram desenvolvendo, de forma gradativa e, na maioria dos casos, involuntária, os primeiros processos de criação de uma música que verdadeiramente representava o país.
Como exemplo, posso citar o “tango brasileiro”, resultante da fusão entre a polca da Boêmia (aqui já influenciada pelo lundu) e a habanera, dança cubana, descendente da música espanhola, especialmente a originária da Andaluzia. Até meados do século XIX, Cuba possuía o porto mais importante do Caribe, pelo qual escoavam não só açúcar e fumo, seus principais fomentadores econômicos, mas, também, elementos da cultura nacional (ainda que autóctone), oriunda de uma população negra (escrava) superior à espanhola (colonizadora).
Diferente do homônimo argentino, gênero essencialmente dramático e de estrutura rítmica definida, o “tango brasileiro” é música pura, simples, da qual podemos destacar como características preponderantes, exatamente, a possibilidade de se aplicar um andamento mais livre à sua melodia. Vejamos Carioca e Xangô, de Ernesto Nazareth. Mesmo escritos na forma do rondó de cinco seções (a-b-a-c-a) esses dois “tangos brasileiros”, contudo, possuem andamentos diferentes; isso faz com que a execução do primeiro tenha, comumente, a duração de uns cinco minutos e a do segundo não chegue a três. Por outro lado, o “tango argentino” mantem sempre o seu tempo em moderado. Dai, quando ouvirmos uma música semelhante a este último gênero mas de andamento mais vivo, animado, certamente se tratará de uma “milonga”, não de um “tango argentino”.
A forma tango brasileiro, de Ernesto Nazareth, é objetiva, irrefutável, coerente, e se estriba, geralmente, no rondó clássico de cinco seções. Não se pode dizer o mesmo do maxixe, que não tem forma estável, nem definida; utiliza esquema vário, isto é, se fundamenta na estética, notadamente, da forma variação.
Nos tangos brasileiros de Ernesto Nazareth, a melodia é condição primordial. Porém, não quer dizer que seu conteúdo não possa estar disseminado em vários planos e outros tantos registros sonoros.
A unidade de pensamento em Ernesto Nazareth (que lhe confere estilo próprio) segue uma diretiva estilística. (...) E de tal sorte desempenhou, Nazareth, de tão difícil missão, que podemos constatar, a qualquer momento, a perfeição em que se houve, atingindo o máximo sem rebuscamentos e intrusões.
Baptista Siqueira
SIQUEIRA, (João) Baptista. Ernesto Nazareth na Música Brasileira; ensaio histórico-científico. Gráfica Editora Aurora Ltda. Rio de Janeiro, 1967;
Quanto à origem da palavra “tango”, uns acreditam que seja espanhola. Outros, por sua vez, afirmam tratar-se de alguma corruptela do verbo tanger (tocar), do latim “tangere”, na primeira pessoa do singular no presente do indicativo: “yo tango” (ou “eu tanjo”). Já no Dicionário Aurélio a origem é africana, sendo os dois primeiros significados a ela atribuídos os seguintes: “espécie de pequeno tambor africano” e “a dança executada ao som deste instrumento”.
A mais antiga referência ao termo no Brasil encontramos no Jornal do Commercio, de 31 de maio de 1863, em anúncio da ópera bufa “L’isle du Calypso”, de um só ato, encenada no Theatro Lyrico Fluminense, no Rio de Janeiro, e que apresentava em seu repertório uma chanson havanaise intitulada Tango, da autoria de um certo Lucien Boucquet.
Seis anos depois, em 1869, desembarcou nessa mesma cidade o pianista e compositor norte-americano Louis Moreau Gottschalk, trazendo de sua lavra Nuit des tropiques (sinfonia), Ojos criollos (dança cubana), Bamboula, Danse des nègres e Souvenir de Cuba, entre outras, que contribuiriam ainda mais para prestígio, difusão e consagração, aqui, da rítmica caribenha.
Foi, contudo, em 1871, que saiu pela primeira vez impresso em partitura de autor brasileiro o termo “tango”, referindo-se a Olhos matadores, de Henrique Alves de Mesquita. E, no ano seguinte, também do mesmo compositor, veio a público Ali-Babá.
A criação do “tango brasileiro” por um músico semi-erudito como Henrique Alves de Mesquita (ele foi autor de uma ópera-cômica intitulada “Uma noite no castelo”, em 1879), e sua estruturação definitiva pelo elaborado pianista Ernesto Nazareth, seriam responsáveis, afinal, por um certo caráter de virtuosismo instrumental do novo gênero, que o tornaria mais para ser ouvido do que para ser dançado ou cantado.
José Ramos Tinhorão
TINHORÃO, José Ramos. Pequena História da Música Popular; da modinha à canção de protesto. Editora Vozes Ltda. Petrópolis, 1974;
Quanto ao “tango” Seductor, o primeiro da maestrina Francisca Gonzaga, este saiu editado por Arthur Napoleão & Miguèz, em 1877, tornando-se sucesso, em pouco tempo.
Dois anos depois, Ernesto Nazareth viu publicada a polca Cruz, perigo!!, considerada por alguns pesquisadores como seu primeiro “tango”, por apresentar certas particularidades que a diferenciavam das demais polcas da época.
Já na década de 1880, segundo algumas publicações, surgiram dois outros gêneros (ou termos) musicais muito próximos do “tango brasileiro”: o maxixe (oriundo das classes mais populares e duramente combatido pelas elites, que viam na sua coreografia um convite à degeneração dos bons costumes) e o choro (adotado pelas rodas boêmias, retretas suburbanas, cafés-concertos, conjunto de amadores e pequenas orquestras).
Porém, nesses tempos, tanto o maxixe quanto o choro não apresentavam forma musical definida, tratando-se, portanto, não de um gênero, mas de uma maneira de se interpretar o “tango brasileiro”. Nos dias de hoje, muitas publicações ainda vêm tentando, sem muito sucesso, por um ponto final no assunto. Ou seja: apresentar características que diferenciem choro de maxixe.
(...) a gente é quase levado à constatação penosa de que a originalidade do maxixe consiste apenas no jeitinho. No jeitinho de tocar e de cantar.
Mário de Andrade
ILLUSTRAÇÃO MUSICAL. Originalidade do Maxixe. Mário (Raul) de (Morais) Andrade. Anno I - nº 2. Rio de Janeiro, setembro de 1930;
(...) originalmente, o choro não constituía um gênero caracterizado de música popular, mas uma maneira de tocar, estendendo-se o nome às festas em que se reuniam os pequenos conjuntos de flauta, violão e cavaquinho.
José Ramos Tinhorão
TINHORÃO, José Ramos. Música Popular, um tema em debate. Editora Saga. Rio de Janeiro, 1966;
Ainda no referido decênio de 1880, Francisca Gonzaga viu impressos 18 tangos, nenhum choro e muito menos qualquer maxixe; corroborando-se, assim, com o que escrevi no parágrafo anterior.
Em 1889, também constatei no catálogo da grande Chiquinha um “tango característico” com o curioso título de Só no choro, dedicado “ao Maestro Henrique Alves de Mesquita”.
Chiquinha Gonzaga foi, sem dúvida, o compositor brasileiro que mais trabalhou o “tango” com preocupação nacionalizante. (...) Ela preparava o caminho para uma forma mais definida de música nacional. Na sua obra, o “tango” já traz indícios de brasilidade; preparava-se para virar “samba”.
Edinha Diniz
DINIZ, Edinha. Chiquinha Gonzaga; uma história de vida. Editora Codecri Ltda. Rio de Janeiro, 1984;
Dezenove anos depois da edição de Olhos matadores, do maestro Mesquitinha, portanto, em 1890, veio à luz, segundo a Enciclopédia Delta Larousse , o popularíssimo El choclo, de Ángel Villoldo (1864/1919); talvez o mais antigo “tango” impresso na Argentina.
GRANDE ENCICLOPÉDIA DELTA LAROUSSE - XV Volumes. Editora Delta S.A. Rio de Janeiro, 1973;
Con este tango que es burlón y compadrito,
se ató dos alas la emoción de mi suburbio.
Con este tango nació el tango y como un grito,
salió del sórdido barrial buscando el cielo.
“El choclo”
TANGOS - CD de Julio Iglésias. Sony Music International / Columbia. Rio de Janeiro, 1996. Primeira estrofe da letra de Enrique Santos Discépolo, escrita em 1947;
Nesse mesmo ano, o paulista Alexandre Lévy (1864/1892) teve editado o seu Tango Brasileiro, peça que o levou a prestigiosa posição junto aos precursores do nosso nacionalismo, por encontrar-se entre as primeiras a apresentar motivos populares sob uma fatura eminentemente erudita.
Ernesto Nazareth há muito conhecia as designações “tango” e “tango brasileiro”, principalmente por intermédio de Henrique Alves de Mesquita e Francisca Gonzaga; tendo sido Chiquinha, conforme averiguei em edições originais, o primeiro dos nossos compositores a publicar obras com a classificação de “tango brasileiro”. A saber: Tango brasileiro (1880), Oh! Mon Étoile (1881), A Corte na roça (1884), S.Paulo (1885) e Tupan (1890). É certo, ainda, que ele soubesse da existência do arranjo que seu professor, Charles Lucièn Lambert, fizera da Zamacueca, de Joseph Silvestre White, que dirigiu o Imperial Conservatório de Música, entre 1877 e 1889.
Podemos informar, com segurança, que a forma tango brasileiro começou a se firmar solidamente após 1880, quando, no Rio de Janeiro, o famoso violinista José White (cubano de origem) executou, com muito sucesso, uma Zamacueca denominada tango-chileno. Essa obra teve êxito acima do comum e o célebre professor Lucien Lambert (pai) fez, dela, uma variação que impressionou fundamente a Ernesto Nazareth. Na época, o Jornal do Commercio (15 de fevereiro do 1880), trouxe o seguinte anúncio: “Lucien Lambert fez variação sobre a Zamacueca, procurando imitar, no piano, o que fazia o célebre violinista José White, na rabeca, e produz um belíssimo efeito”. A notícia de tal obra teve, imediatamente, repercussão em Paris, segundo constatamos da notícia veiculada pela Revista Musical e de Bellas Artes: A Zamacueca “foi executada pelo pianista Th. (Theodore) Ritter, no Salão Pleyel-Wolf. A peça mais aplaudida, por ele executada, no piano, foi Zamacueca (tango-chileno), que aqui foi apresentada pelo violinista José White”. (...) Já, agora, o tango recebia a consagração de platéias cultas e era tratado seriamente por músicos eruditos.
Baptista Siqueira
SIQUEIRA, (João) Baptista. Ernesto Nazareth na Música Brasileira; ensaio histórico-científico. Gráfica Editora Aurora Ltda. Rio de Janeiro, 1967;
Em 1892, após publicar treze polcas, viu o nosso biografado a edição de sua “polca-tango” Rayon d’or, e, no ano seguinte, a de seu primeiro “tango”: Brejeiro. Pela proximidade entre as datas do Tango brasileiro (1890) e do Brejeiro (1893), posso quase afirmar que um dos últimos incentivos que faltavam para que Nazareth aplicasse às suas músicas a referida classificação veio da obra de Alexandre Levy.
Já em 1905, depois de quinze “tangos” publicados, encontramos na partitura da 2ª edição de Ferramenta, logo abaixo do nome de Ernesto Nazareth, o mais antigo registro do epíteto “rei do tango”. E no ano seguinte, caso único na história do gênero, a música que maior projeção alcançou no carnaval foi o “tango-chula” intitulado Vem cá, mulata!, de Arquimedes de Oliveira e Bastos-Tigre (1882/1957).
Em 1913, saiu pela Favorite Record, da Casa Faulhaber, a primeira gravação da qual participou o então flautista Alfredo da Rocha Vianna Júnior (1898/1973), mais conhecido como Pixinguinha. Tratava-se do “tango brasileiro” São João debaixo d’água, de Irineu de Almeida.
Aos 26 de outubro de 1914, em recepção oficial no Palácio do Catete, Nair de Teffé (1887/1981), esposa do Marechal Hermes da Fonseca (1855/1923), então Presidente da República, interpretou ao violão, instigada por Catullo da Paixão Cearense, o “tango brasileiro” Gaúcho (popularmente conhecido como “Corta-jaca”), de Chiquinha Gonzaga; protagonizando, desse modo, grande escândalo junto à alta sociedade, classe política e clero.
Porém, a partir do momento em que o gênero platino começou a dominar os salões parisienses, mais a má vontade dos editores patrícios para com o nosso similar e a emergente popularidade dos maxixes e choros (já transformados em gêneros com características próprias), o “tango brasileiro” passou a ter os seus dias contados. Desde então, mesmo aqui no Brasil, “tango” só o argentino!... Nazareth, entretanto, continuaria fiel ao gênero por toda a vida; ainda que isso lhe rendesse muitos dissabores.
Por volta de 1916, descendendo diretamente do moribundo “tango brasileiro”, surgiu o “tanguinho”, sub-gênero de harmonia mais simples e quase sempre acompanhado por versos de temática sertaneja, bem ao gosto da época. E entre seus autores, um se destacou sobremaneira: Marcello Tupynambá, pseudônimo do engenheiro Fernando Álvares Lobo, nascido na cidade de Tietê, São Paulo. Alguns de seus “tanguinhos” mais famosos foram: Até a volta, Deixe está (c/ Arlindo Leal), Pinto pelado (c/ C. da Cintra), Sá dona (c/ Cândido Nascimento), Tristeza de caboclo, Coração sertanejo, Sou batuta e Que sodade. Poucos anos depois, tal gênero desapareceu diluído entre cateretês, toadas, rancheiras e canções sertanejas que, por cerca de uma década (1916/1926), conquistaram os ouvidos brasileiros.
Em 1919, saiu editado pela Casa Carlos Gomes, O despertar da montanha, “tango de salão”, de Eduardo Souto, que chegou a alcançar grande sucesso e alguma repercussão no exterior. Talvez tenha sido, este, o último grande “tango brasileiro” publicado. Mas, para se ter idéia do quanto a maneira de interpretar o nosso gênero já se encontrava descaracterizada, era comum ouvir O despertar... com andamento de “tango argentino”, o que aborrecia muito o autor.
Dois anos depois, em 1921, um “tango” de Nazareth, o Arrojado, chegou a ser impresso como “samba”, na mais patética tentativa de se criar um interesse maior por essa obra.
Importante e polêmica personalidade da musicologia nacional, Mário de Andrade também andou envolvido com o assunto “tango brasileiro” quando, em palestra proferida antes do recital de Ernesto Nazareth, em 1926, no Theatro Mvnicipal de São Paulo, faz-nos atentar para as seguintes curiosidades:
O que o brasileiro chamou um tempo de tango, não tem relação com o tango argentino. É, antes, a habanera e a primitiva adaptação nacional dessa dansa cubana. Também, aliás, conhecida por tango no Uruguay, pelo que informa Vicente Rossi em Cosas de Negros. A contradição de que os tangos de Ernesto Nazareth possuem rhytmica do maxixe e que este é que se dansa com elles, não tem valor nenhum. As próprias habaneras são maxixáveis, desde que a gente lhes imprima andadura mais afobada.
Mário de Andrade
ILLUSTRAÇÃO BRASILEIRA. Ernesto Nazareth. Mário (Raul) de (Morais) Andrade. Anno IX - nº 94. Rio de Janeiro, junho de 1928;
À mesma época, o folclorista Renato Almeida (1895/1981) publicou impropriedades a respeito de Nazareth e seus “tangos”:
Ernesto Nazareth, arbitrariamente, chamou todos os seus maxixes de tangos, porque achava que a palavra maxixe era vulgar demais para suas composições.
Renato Almeida
ALMEIDA, Renato (Costa). História da Música Brasileira. Editora F. Briguiet. Rio de Janeiro, 1926;
Razão musical não deu Renato Almeida para fazer acusação tão grave a Ernesto Nazareth; isto é, que ele (Nazareth), um músico prático do Rio de Janeiro e, além disso, perfeito conhecedor das danças de sua época, não sabia distinguir um tango de um maxixe... Isto é demais!... (...) Bem disse Mário de Andrade: “a musicologia brasileira ainda cochila numa caduquice de críticas puramente literárias”.
Baptista Siqueira
SIQUEIRA, (João) Baptista. Ernesto Nazareth na Música Brasileira; ensaio histórico-científico. Gráfica Editora Aurora Ltda. Rio de Janeiro, 1967;
Já no capítulo “Tango Brasileiro”, do simpático livro de Mariza Lira, a autora chama atenção para um fato que sempre passou desapercebido. Vamos a ele:
Antes de 1930, o nosso tango era bem diverso do argentino. Mas, com a vitória da Revolução, os gaúchos trouxeram os seus tangos de ritmo platino e os impuseram ao sabor nacional.
Mariza Lira
LIRA (de Araújo), Mariza (Maria Luiza). Brasil Sonoro; gêneros e compositores brasileiros. Editora S.A. A Noite. Rio de Janeiro, 1937;
Realmente, houve certa “onda” gaúcha a derramar-se sobre as praias cariocas, mas logo virou espuma. Era mais uma novidade, um modismo, pois o samba já estava entronizado, primeiro e único, no gosto popular.
Tudo isso serviu para dar algum alento a outro sub-gênero até então de pouca expressão: o “tango-canção”; coroando-se, assim, a extraordinária e sofrida figura do compositor Cândido das Neves (1889/1934), o “Índio”, cujas melodias, principalmente nas vozes de Vicente Celestino e Paulo Tapajós, alcançariam enorme sucesso. Citemos alguns “tangos” e “tangos-canções” desse extraordinário autor: Noite cheia de estrelas, inspirado no “tango” Madre, de Francisco Pracánico e Vermínio Servetto (1928), Nênias (1929), Infeliz amor (1931), E nada mais... (1932), Dilecta (1932), Nas asas brancas da saudade, “tango-canção” impresso simplesmente como “canção” (1933) e Rasguei o teu retrato (1934).
Em 1931, saiu publicado o Tango, de Francisco Mignone, despertando relativo interesse, ainda que seu autor tenha aplicado à sua obra características tipicamente espanholas.
É interessante recordar que, no ano seguinte, surgiu uma das parcerias de maior relevância na história do “tango argentino”: a do “imortal” Carlos Gardel (francês, nascido em Tolouse, 1890) e Alfredo Le Pera (brasileiro, de São Paulo, 1904). Desta dupla, podemos destacar os “tangos”: Cuesta abajo (1933), Mi Buenos Aires querido (1934), Volver (1935) e Por una cabeza (1935). Quanto à celebérrima El día que me quieras (1935), também dos mesmos autores, não é “tango”, mas, sim, “canção”. Ambos morreriam em desastre de avião, em Medelín, Colômbia, aos 24 de junho de 1935.
Mesmo com a morte de “Índio”, em 1934, Vicente Celestino continuou a gravar suas músicas e, ainda, a compor, de próprio punho, alguns “tangos” e “tangos-canções”, como, por exemplo: Ouvindo-te (1935), Patativa, “tango-canção” impresso como “canção” (1935), O ébrio, “tango-canção” impresso como “canção” (1936), Coração materno, “tango-canção” impresso como “canção” (1937) e Matei, “tango-canção” (1940).
A partir de 1940, alguns editores passaram a substituir nas partituras de Ernesto Nazareth, sem a complacência da família do músico, a classificação “tango” por “choro”, termo somente utilizado por ele, em toda a sua obra, duas únicas vezes: em Janota (que, na verdade, é uma polca) e Cavaquinho, por que choras?... Sem dúvida, tal “esperteza” concorreu para alavancar por algum tempo a difusão da obra do velho mestre, mas, em contrapartida, além do desrespeito à memória do autor, até hoje o artifício vem causando confusão entre intérpretes e pesquisadores.
Em 1968, em pleno movimento da “Tropicália”, Caetano Veloso gravou Coração materno em seu elepê Tropicália ou Panis et circensis, encerrando-se, desse modo, melancolicamente, o primeiro século de vida do tango “genuinamente” brasileiro.
Ernesto Nazareth foi o mais significativo representante do gênero, deixando-nos cerca de 88 títulos, distribuídos entre as seguintes classificações: “grande tango característico” (01), “tango” (56), “tango argentino” (01), “tango brasileiro” (11), “tango brasileiro com estilo de habanera” (01), “tango característico” (02), “tango característico brasileiro”, “tango característico para piano” (01), “tango carnavalesco” (02), “tango carnavalesco para piano” (01), “tango carnavalesco para piano e canto”, “tango de massada” (01), “tango de salão” (01), “tango estilo milonga” (01), “tango-habanera” (01), “tango meditativo” (01), “tango para piano” (07) e “tango para piano e canto”.