Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
NAZARETH “TOCA” PARA SHERLOCK HOLMES
NAZARETH “TOCA” PARA SHERLOCK HOLMES
Em uma quarta-feira, dia 3 de março de 1993, o autor dessa biografia teve o privilégio de participar do programa Jô Soares - Onze e meia, no SBT, falando sobre Ernesto Nazareth. Entretanto, ainda que possuidor de uma cultura geral apreciada, Jô Soares desconhecia muitos aspectos da vida do compositor. A entrevista, inclusive, terminou com o convidado cantando Brejeiro, com letra de Catullo e acompanhamento do então “Quinteto” (hoje “Sexteto”), formado por Bira, Derico, Miltinho, Osmar e o saudoso Rubinho.
Dois anos depois, Jô surpreendeu-me dedicando ao compositor algumas linhas de seu livro O Xangô de Baker Street. E não poderia deixar de reproduzir, aqui, o que foi dito. O episódio, obviamente, nunca aconteceu, pois é fruto da fertilíssima imaginação do humorista. Mesmo assim, fundamenta-se em situações comumente vividas pelo “rei do tango brasileiro”, tais como se apresentar em saraus da alta sociedade. Quanto às menções ao casamento do compositor e aos títulos das algumas de suas polcas, tratam-se de informações que procedem.
O palacete do visconde, nas Laranjeiras, era uma das residências mais suntuosas da cidade. Construído no meio de um bosque, cercado por coqueiros e paineiras, ficava na parte mais elevada do terreno, destacando-se da vegetação luxuriante. Os convites para as festas que Rodrigo Modesto Tavares, visconde de Ibituaçu, oferecia em sua residência eram disputados por toda a sociedade, no entanto Rodrigo preferia cercar-se de artistas, boêmios e intelectuais. Era o que acontecia, esta noite, no jantar em homenagem a Sherlock Holmes e Sarah Bernhardt. A malta comparecera, de Bilac a Paula Nei, o mais divertido da roda. O visconde também convidara a baronesa de Avaré e algumas moçoilas lindas e elegantes, para compensar a nítida maioria masculina da recepção. Sarah Bernhardt estava acompanhada de seu filho Maurice, mas Sherlock Holmes viera sozinho. O doutor Watson ficara no hotel, dando desculpa de que precisava pôr sua correspondência em dia. Na verdade, odiava esses saraus que se estendiam até altas horas da madrugada. Sempre irreverente, Paula Nei disse, ao ver o detetive sem a sua companhia habitual:
- Vejam só, o Cosme veio sem o Damião! Eu pensava que aonde ia a corda, ia a caçamba.
Depois da ceia, passaram para um salão que o visconde, em tom de mofa, chamava de sala dos cristais, devido ao imenso lustre vienense que iluminada o recinto. Conversavam em francês, língua dominada por todos, inclusive Sherlock Holmes. Uma agradável surpresa os aguardava: sentado ao piano, compondo o fundo musical da noite, estava Ernesto Nazareth.
Nazareth, um jovem pianista e compositor de vinte e três anos, ganhava a vida dando aulas particulares e se apresentando em festas. Já tinha editado várias músicas, e polcas como “Fonte do suspiro”, “Gentes! O imposto pegou?” e “Teus olhos cativam” eram de grande agrado popular. No momento, ele interpretava sua mais recente criação, a valsa “Dora”, que havia composto para Theodora Amália de Meirelles, com quem iria se casar, em poucos dias. Com uma madeixa caindo na testa, Ernesto lembrava Chopin, de quem, aliás, era profundo admirador. Assim que terminou, Rodrigo Modesto pediu que tocasse outra polca de muito sucesso, “Beija-flor”. Impressionava, nas composições do jovem pianista, a nota de melancolia impregnada mesmo nos maxixes mais alegres.
Jô Soares
SOARES, Jô (José Eugenio). O Xangô de Baker Street. Companhia das Letras - Editora Schwarcs Ltda. São Paulo, 1995;