Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
CONSERVATÓRIO DRAMÁTICO E MUSICAL - 2º CONCERTO (1926)
CONSERVATÓRIO DRAMÁTICO E MUSICAL - 2º CONCERTO (1926)
Com ingressos vendidos pelas casas Bevilacqua, Beethoven e Di Franco, aos 27 de setembro, segunda-feira, às 21 horas, o compositor apresentou-se pela segunda vez no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, em homenagem intitulada “Festival Nazareth”. Inúmeras notícias saíram pela imprensa. Contudo, pela repetição das informações nelas contidas, preferi transcrever somente as mais interessantes.
NOTAS DE ARTE
HOMENAGEM AO COMPOSITOR
ERNESTO NAZARETH
A 27 do corrente, no salão do Conservatorio, será realizada uma festa que deve contar com a sympathia unanime da sociedade paulistana. Trata-se de uma homenagem e, ao mesmo tempo, de um conforto a ser levado ao festejadissimo compositor brasileiro Ernesto Nazareth, o creador da musica caracteristicamente nacional, estylizando maravilhosamente os motivos populares.
Seria preciso dizer que Ernesto Nazareth ao cabo de quasi cincoenta annos de vida artistica, apenas conseguiu manter-se no circulo de uma altiva e nobre, mas penosa e resignada, pobreza?
O festival do dia 27, promovido por um grupo de damas da sociedade paulista, envolve, pois, simultaneamente, uma intenção artistica, emprestando-lhe valioso concurso a distincta professora de declamação, d. Noemia Nascimento Gama, a cargo de cujas discipulas está uma parte do programma. O professor Ernesto Nazareth tambem tomará parte nesse festival. Os bilhetes para o mesmo têm sido procuradissimos.
Não identificado. Setembro de 1926;
CONCERTOS
FESTIVAL NAZARETH
Ernesto Nazareth, apesar da sua immensa modestia, deve estar sinceramente satisfeito e envaidecido, porque se viu cercado de tudo que há de mais distincto, de mais fino e de mais intellectual na sociedade paulista.
Enchendo-se o palco de musas e cantoras, florindo e rindo toda uma immensa onda de alegria e mocidade, deram-se as mãos para tecer a grinalda com que coroaram o velho e querido musicista patricio. Todo esse myrifico jardim de gratas sonoridades e leve esbelteza, tangeu-o a varinha magica da sra. Noemia Nascimento Gama, com a robustez de um talento aprimorado e a sensibilidade bemfazeja da mulher brasileira.
Ernesto Nazareth deve estar radiante e com razão, porque a frigidez e a austeridade precavida das platéas paulistas se desfizeram em sua honra e se desfizeram com graça e galanteria.
Tão grata é a nossa impressão que iamos insensivelmente transportando para esta columna quanto disse da musica e das musas a galanteria de Arthur Mendes, vate primoroso que houve por bem dizer algo da musica, da poesia, da mulher, que sempre merece os pontos nos ii, como diria Bastos Tigre.
Depois de Arthur Mendes dizer coisas amaveis, ao baloiçar da cabeça branca, surge a primeira musa, Nadya de Abreu, que diz com muita graça e gentileza versos de Guilherme de Almeida, de Luiz Pistarini e Martins Fontes, vendo as suas ultimas syllabas abafadas pelos applausos dos insatisfeitos que pediam mais e foram contentados. Depois surge-nos aos olhos a senhora Julieta Reichert Becker, que começa vulgarizando o poeta da moda, o poeta que recebe a consagração da volubilidade feminina - Adhemar Tavares; diz depois o satyrico e guloso Bastos Tigre, o formoso e desconhecido estro de Cruz e Souza e tantos outros, com graça e nobreza, que parece-nos ainda ouvil-a. A sra. Emma da Rocha Brito, uma das mais finas cultoras do canto, em S.Paulo, interpreta, com a sua voz magnificamente timbrada, firme nos registros, poderosa e bem empostada, trechos leves de Pergolesi, de Schubert e Massenet, multiplicando arias e serenatas aos applausos daquelles que, como nós, não se cansam de ouvil-a com prazer.
Depois vem a comedia, em 1 acto, de Julio Dantas, interpretada com finura, deixando valorizar as personalidades artisticas das sra. Reichert Becker e senhorita Nadya de Abreu. Mal a platéa despia a commoção dos ultimos versos de Julio Dantas, quando apparece-nos, na plenitude da sua esbelteza, a senhorita Lourdes Teixeira, dizendo numa pose grega versos finos de Martins Fontes, Francisca Julia e Hermes Fontes, no cascatear de perolas que não se esquecem nunca.
Mas eis chegada a hora da apparição da sra. Noemia Nascimento Gama. Já não era a inspiradora da festa que surgia. Era uma creadora de arte que com tacto de artista e a firmeza de mulher ia arrancar ao escrinio de tres grandes poetas, tres gemmas fulgurantes e fazel-as rolar, scintillar e ressoar com sua voz clara, com a sua alma convicta de quem sabe buscar o bello onde quer que exista.
“Alguem”, a saudade terna e filial de Gonçalves Crespo; “Abyssus”, um dos mais vigorosos sonetos de Bilac, de um amor barbaro e masculo e “Olhos Verdes” a mais lyrica das lyricas bellezas devida ao estro de Vicente de Carvalho. E disse mais e mais diria si não tivesse posto Ernesto Nazareth em contacto com a platéa.
Com seus tangos, as suas valsas de rythmo typicamente brasileiro, vinha o velho musicista reaccender a lampada rubra de um enthusiasmo sincero, que é communicativo e perenne. Antes de encerrar-se o programma, a senhorita La’Scalea cantou um numero imprevisto, tangos de Nazareth, que se distanciou muito da harmonia preestabelecida.
Foi como uma rubra papoula levada pelo vento, em petulas dispersas...
DIÁRIO POPULAR. São Paulo, 28 de setembro de 1926;
CRÔNICA SOCIAL
FESTIVAL ERNESTO NAZARETH
Ralizou-se, hontem, á noite, no salão do Conservatorio, tendo alcançado um brilhante exito, a festa artistica em homenagem ao compositor brasileiro Ernesto Nazareth.
O salão estava completamente cheio, havendo pessoas de pé e compondo-se a assistencia do que o nosso meio artistico e social tem de mais fino quando, ás 21 horas, teve inicio o programma, com um discurso do dr. Arthur Cerqueira Mendes, que explicou os motivos da homenagem, sendo muito applaudido ao fazer o elogio da obra do eminente musicista.
Todo o longo e escolhido programma de que constava o recital foi admiravelmente executado.
Por fim o compositor Ernesto Nazareth tocou ao piano algumas de suas ultimas creações, sendo vivamente applaudido.
A numerosa platéa que o ouviu, prestou-lhe uma merecida homenagem, fazendo-lhe uma expontanea e sincera manifestação de sympathia.
DIÁRIO DA NOITE. São Paulo, 28 de setembro de 1926;