Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
MAESTRO GAÓ
MAESTRO GAÓ
Popularmente conhecido como Gaó, o maestro Odmar Amaral Gurgel nasceu na cidade de Santos, litoral de São Paulo, aos 12 de fevereiro de 1909. Em 1988, conseguimos entrevistá-lo, por telefone, quando, então, aproveitamos para saber que história seria aquela de uma certa composição intitulada “Zênith”, impressa como sendo de Ernesto Nazareth e “revisada” por ele, Gaó. Alguns anos antes, Mozart de Araújo já havia me pedido para investigar o assunto, o que só resolvi fazer ao perceber que aquela desonestidade para com a memória do biografado já estava indo, literalmente, longe demais, pois existiam gravações, edições e até arranjos da tal peça publicados no Japão.
Eu conheci Nazareth em 1926, quando ele esteve em S.Paulo. Eu tinha uns quinze anos e já ganhava um dinheirinho tocando piano na Casa Di Franco. Um dia, eu estava chegando e ouvi alguém tocando uma música de Nazareth em um dos pianos de cauda, alemães, Blüthner, que ficavam nos fundos da loja. Ali, de vez em quando, realizavam-se recitais. Aí, eu pensei comigo: se esse camarada “assassinar” o Nazareth, eu dou nele!... Ao chegar, reparei que o pianista tocava de uma forma diferente, excepcional, dando vida a cada compasso, tirando sonoridades e aplicando certas pausas que transformavam a música de Nazareth, sutilezas que não estavam na partitura. Os donos da loja, os italianos João Campassi e Pedro Camim, estavam ouvindo-o, cada um de um lado. Quando o Campassi me viu disse: - É o Ernesto Nazareth!... Tive a maior surpresa... Nazareth, ao terminar, foi-me apresentado e o Campassi disse a ele que eu conhecia a sua obra. Ele fez-se de surpreso, disse que não acreditava e pediu para que eu tocasse para ele. Toquei várias peças: o Tenebroso, o Odeon, o Fon-Fon!, o Nenê, que eu me lembre... Quanto ao Nenê, ele me disse:
“ - Não é nada disso!...”
Daí, ele me deu várias dicas sobre a interpretação. Ele chegou a me fazer muitos elogios, dizendo, inclusive, que eu era o seu melhor intérprete!...
Nazareth, sempre que podia, parava na Casa Di Franco, entrava e punha-se a tocar. Era um homem de gestos simples, contidos, sempre acompanhado de uma bengalinha preta, tipo essas de mágico, só para complementar a sua elegância.
Ele só tinha um problema: a surdez. Isso atrapalhava muito. Todos tinham que gritar para ele ouvir qualquer coisa. Era um desespero. As vezes, tínhamos que repetir duas, três vezes... O que desanimava qualquer conversa. Ele ficava aborrecido por não ouvir e quem estava com ele também, por não ser ouvido. Quando eu lhe perguntava uma coisa e ele não escutava, ele dizia, com a mão fazendo concha:
“ - Como é que é, menino?...”
Conheci, também, um filho dele, o “Ernestinho”, que também esteve com o pai em S.Paulo, mas pouco tempo, talvez matando saudades...
Um dia, Nazareth prometeu dedicar a mim uma música, o que jamais cumpriu. Eu, frustrado, resolvi, então, compor uma música bem ao estilo dele, para ficar no lugar daquela que ele nunca escreveu. O nome era Zênith, e foi dedicada a um amigo meu, daqueles tempos, o João Portaro, também amigo do Juvenal Fernandes. Essa música chegou a sair publicada, mas, por incrível que possa parecer, saiu impressa como se fosse do próprio Nazareth. Mas, é minha!... Qualquer análise, ainda que superficial, vai mostrar que aquela harmonia não é do Nazareth.
Eu o assisti, também, no Theatro Mvnicipal e no Conservatório (Dramático e Musical). Ele era sempre muito aplaudido.
Maestro “Gaó”
Em 1997, no CD “Memória do Piano Brasileiro - Vol. I”, a composição “Mimoso”, do mesmo Gaó, apareceu como “Mimosa”, de Ernesto Nazareth. Ou seja, mais uma vez encontramos obra do maestro paulista apresentada como sendo do colega carioca, o que nos leva a acreditar na existência de alguma coisa mal resolvida da parte deste para com Nazareth. Portanto, o criador da célebre Orquestra Colbaz, a primeira a gravar “Tico-tico no fubá”, de Zequinha de Abreu, vai ficar na história como alguém que, pelo menos no quesito omissão, prestou um desserviço à memória do “rei do tango”.
AMARAL GURGEL, Odmar. Maestro “Gaó”. Entrevista concedida ao autor, por telefone. RJ/SP, 16 de novembro de 1988.