Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
A CASA DA TRAVESSA DR. ARAÚJO
A CASA DA TRAVESSA DR. ARAÚJO
Era um casarão do tempo do Império, parecia uma fazenda. A casa era feita no tempo em que tijolo não custava nada. Nêgo fazia a casa com parede de três tijolos. A porta parecida até a da Igreja de São Francisco, na Bahia... Lá, nessa casa, durante o dia, ficava a criada de confiança, espécie de governanta, e o resto saía para trabalhar. Saía os dois homens, que era o “Ernestinho” e o outro (Diniz), Dona Eulina e a moça (Esther) que era cunhada, que tinha a tal boutique... Mas, antes do Nazareth vir para a Colônia, fiquei com ele em casa uns quinze dias, mais ou menos, numa sala na frente, uma sala comum, não tinha beleza. Era bem tratada, tudo muito limpo, tudo bem arrumado. Tinha um piano, mas não estava na sala. Na sala tinha a cama dele e tinha um sofá. Nessa cama, ele ficava deitado o dia quase todo...
“ - Vocês agora só fazem comigo é isso: me agarraram, botaram um polícia atrás de mim, botaram um polícia pra me vigiar, e eu não posso fazer nada. Tenho que ficar mesmo é deitado aqui!...”
Volta e meia levantava, e eu saía com ele. E ele ficava revoltado, e dizia assim:
“ - E agora é polícia, não é?... Onde eu vou você vai atrás. Isso não está direito... Agora eu, depois de chegar nessa idade, estar com policiamento atrás de mim!...”
Ele era um bom doente, sujeito muito educado, sujeito fino. Ele já tinha aquelas bobagens... Mas, o fato é que com o velho não se podia... Perdeu o autodomínio, não tinha autocrítica, fazia uma série de bobagens; mas, era um indivíduo de uma inteligência raríssima, e o que ele sabia de música não esquecia de jeito nenhum. Nem a contagem de tempo... Ele contava com a mão... Ele batia a mão na coxa e dizia para mim:
“ - Marca a hora aí!...”
E eu marcava: dez horas. Aí ele começava... Batia vinte minutos e dizia para mim:
“ - Vinte minutos!...”
Na casa, Eulina saía, só voltava de noite. Ela era Diretora de Ensino. O rapaz (“Ernestinho”) era gerente de um banco e a moça (Esther) tinha uma boutique. De formas que o velhote (Diniz) chegava dos correios, chegava mais cedo, e tinha uma senhora que era de confiança. Tinha, também, uma mulher (Maria Mercêdes), que eu não me lembro o nome, que andava sempre com ela, a Dona Eulina. Andavam sempre juntas; toda parte que uma ía a outra ía junto. Dona Eulina era uma senhora vistosa, alta, forte, bonita, vestia-se muito bem, tinha carro oficial à disposição dela; essas mordomias que esse pessoal nunca perde!... A guria (Esther) era boazinha, era moça nova, acho até que era pernambucana. O outro (Diniz) era escriturário dos correios. Ele era um sujeito esquisitíssimo. O quarto dele tinha uma série de luzes verdes, vermelhas, tinha luz azul. Quando ele acendia a verde era só verde, tudo... E não era uma lâmpada, era uma série. E quando era vermelho, era tudo vermelho... Um dia, eu entrei no quarto dele, estava tudo bonito, tudo vermelho, e não achei ele. Ele estava em cima do guarda-roupas, de bruço. Era um guarda-roupas antigo, do tempo do Império... O outro (“Ernestinho”) não manifestava nada. Era gerente de banco. Era um sujeito inteligente, sujeito prolixo, conversador.
Bento d’Ávila
ÁVILA, Bento Manuel Moreira de. Entrevista concedida ao autor. RJ, 1979;