Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
FLORIANO DE LEMOS (1934)
FLORIANO DE LEMOS (1934)
ERNESTO NAZARETH
Quero render minha homenagem de profunda saudade ao grande espirito que hontem se foi para o eterno silencio, elle que deu toda a sua vida ás bellezas e harmonias maravilhosas dos sons.
Ernesto Nazareth, todos o sabem, encarnou uma invejavel organização musical. Poucas do seu quilate nós tivemos nos ultimos trinta annos. Pondo o seu talento artistico a serviço da musica popular, o festejado compositor patricio, que acaba de desapparecer tragicamente, em consequencia de uma quéda, teve um justo renome e a mais merecida projecção, na esphera em que actuou. Cognominaram-no o “Rei do Tango”, e elle o foi, sem contestação, no tempo em que tango era o nome dado aos maxixes e sambas cariocas.
Mas os tangos de Nazareth, obras primas no genero, pela originalidade e inspiração, como ainda pela perfeição com que a phrase melodica se casava á harmonia, foram uma coisa tão nova, tão inspirada e tão perfeita, que consubstanciaram elles, desde logo, um typo a parte de composições, sempre inconfundiveis, muito differentes das que por ahi andam na musica popular. Por isso mesmo, ficaram fazendo parte até dos concertos mais selectos, onde porventura se exhibiam os dignos exemplares da musica nacional. Ainda hoje, os studios de radio-diffusão desta cidade costumam incluir nos seus programmas escolhidos as composições de Nazareth, ao lado dos grandes nomes da musica classica.
Os tangos de Ernesto Nazareth são quasi todos de difficil execução ao piano. Cumpre haver uma forte desenvoltura technica do profissional, para interpretal-os a contento. É o que o laureado maestro agora desapparecido, nas suas creações, vivendo sob seus dedos magicos uma das expressões mais typicas da musica brasileira, associava no mesmo compasso binario, embora desencontradamente, dois rythmos verdadeiramente allucinantes - um a serviço da mão direita, outro da esquerda; e dizia o consagrado Brailowsky, certa vez: “É preciso ser brasileiro para poder tocar uma obra assim tão cheia de vida tropical, movimento e ousadia de ritmos e de expressão.” E o mesmo Brailowsky confessára, a seguir: “Acho mais facil encontrar quem toque uma rhapsodia de Liszt do que um tango de Nazareth.”
O successo desses tangos marcou uma época. Brejeiro, Digo, Carioca, Remando, Ferramenta e dezenas de outros, empolgaram o espirito nacional.
Mas Ernesto Nazareth, profundo conhecedor de todos os mysterios da musica, não foi só o creador do tango nacional, o tango brasileiro de elite, que a gente nobre applaudia descalçando luvas. Elle deu-nos ainda maravilhosas valsas, onde seu estylo rico e imaginoso se espraiava fluente e doce, vencendo facilmente as difficuldades do genero. Expansiva, Coração que sente, Henriette e tantas, tantas outras producções de grande repercussão no nosso meio, fizeram o encanto dos salões em festa, há alguns annos.
Nazareth, repetindo o supplicio de Beethoven, ficou inteiramente surdo.
E o desespero do nosso patricio, ferido pela desgraça maior para um magico dos sons, não se póde descrever. Elle, sentado ao piano, nos ultimos tempos, procurava obstinadamente ouvir o que tocava. Curvo, quasi encostando o ouvido ao teclado, batia forte sobre as notas, para sentir o efeito das suas producções... mas tudo em vão. Nem um accorde lhe chegava aos centros nervosos superiores... E então, Nazareth se entregava a crises de desalento, que o obrigaram a recolher-se a um estabelecimento de cura do seu mal. E foi exatamente de uma dessas casas de medicina do espirito que elle saiu ha dois dias, para ser encontrado sobre as pedras de um despenhadeiro, o ouvido partido, como se quizesse tentar, chegando ao grande silencio, recolher emfim alguns écos das melodias que espalhou sobre a terra.
Floriano de Lemos
CORREIO DA MANHÃ. Floriano de Lemos. Rio de Janeiro, 6 de fevereiro de 1934.
O DESAPARECIMENTO DO MAESTRO ERNESTO NAZARETH
ENCONTRARAM-NO, FINALMENTE, MORTO,
NA COCHEIRA (sic) DA COLONIA DE PSICOPATAS
Noticiamos, domingo, o desaparecimento em circunstancias misteriosas, do aplaudido maestro Ernesto Nazareth, que estava recolhido, há dez mêses, á Colonia de Psicopatas de Jacarepaguá. Pondo-se em campo, não só a administração daquele estabelecimento de alienados, como tambem a policia e a familia do simpatico compositor musical, vieram, afinal, a descobril-o. O maestro Ernesto Nazareth que, como dissemos, gozava de relativa liberdade no estabelecimento, estava na cocheira (sic) da Colonia caído e morto, já em adiantado estado de putrefação. Comunicado imediatamente o fato á delegacia de 24º distrito, o comissario Paulo Nogueira, que tambem estivera em diligencia para o mesmo fim, foi á Colonia de Psicopatas, fazendo remover o cadaver de Ernesto Nazareth para o necroterio do Instituto Medico Legal, a fim de ser examinado.
JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro, 6 de fevereiro de 1934;
PERECEU AFOGADO
O DESAPPARECIMENTO E MORTE
DO MAESTRO ERNESTO NAZARETH
Na cachoeira que abastece a Colonia de Psycopathas de Jacarepaguá, pereceu afogado em consequencia de um acidente o Sr. Ernesto Nazareth, maestro, e que há mezes se encontrava em tratamento no alludido estabelecimento. O finado musicista nascera a 20 de março de 1863, nesta Capital, e já ao cabo de sua existencia de trabalho intenso, foi accommetido de enfermidade que obrigou seus parentes a recolhel-o á Colonia de Psycopathas, de Jacarepaguá. Alli estava em tratamento, havia dez mezes, quando no dia 1º do corrente, em um momento de delirio, conseguiu fugir á vigilancia e embrenhar-se nas mattas. Avisada do que succedera com seu chefe, a familia Nazareth e amigos constituiram-se em turmas que deram uma demorada busca pelas mattas á procura do desapparecido. Afinal, um dos grupos foi encontrar o corpo no interior da cachoeira que abastece a colonia, e já em adeantado estado de putrefacção. O facto foi communicado ás autoridades do 24º districto, tendo o commissario Paulo Nogueira providenciado para que fosse feita a remoção do cadaver para o Instituto Medico Legal. O extinto era filho do antigo despachante aduaneiro Vasco Lourenço da Silva Nazareth e deixa os seguintes filhos: D. Eulina de Nazareth, superintendente da Educação e Ensino Elementar; Srs. Diniz Nazareth, funccionário dos Correios, e Ernesto Nazareth Filho, funccionario do Banco Italo-Belga.
JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro, 6 de fevereiro de 1934;
A IMPRESSIONANTE MORTE
DO MAESTRO ERNESTO NAZARETH
Há dias já fora noticiado ter desapparecido da Colonia de Psycopathas, em Jacarepaguá, o conhecido maestro Ernesto Nazareth, autor de innumeras podrucções que fizeram successo há mais de duas dezenas de annos e muitas das quaes são ainda hoje applaudidas. Embrenhara-se o velho maestro nas mattas e todos os eforços, quer da administração daquelle estabelecimento como da policia, para ser descoberto o seu paradeiro, não davam resultado algum, quando, domingo ultimo, foi o seu cadaver encontrado na cachoeira que abastece a colonia, na altura da fazenda do Engenho Novo, no lugar conhecido por Estrada d’Água. O corpo boiava e viram-no os enfermeiros Necar Quintanilha e Bento Moraes (Moreira!) de Ávila, além de Ricardo Raphael Cavalcanti de Albuquerque, que é um dos enfermeiros alli recolhidos. Communicado o facto á administração da Colonia, esta se entendeu com o commissario Paulo Nogueira, que estava de serviço na delegacia do 24º districto, providenciando, esta autoridade, sobre a remoção do corpo para o necroterio do Instituto Medico Legal. O extincto, que há tempos fôra funccionario do Thesouro Nacional, deixou os seguintes filhos: D. Eulina de Nazareth, superintendente da Educação e Ensino Elementar; Srs. Diniz Nazareth, funccionario dos Correios, e Ernesto Nazareth Filho, funccionario do Banco Italo-Belga. Seu sepultamento realizou-se hontem, á tarde.
PAIZ (O). Rio de Janeiro, 6 de fevereiro de 1934;