Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
O COMPORTAMENTO DE NAZARETH
O COMPORTAMENTO DE NAZARETH
Eu acredito que a vida dele fosse comum. Ele era um indivíduo que se dedicava exclusivamente à música. O negócio dele era música. Ele só reclamava por não o deixarem sair. Reclamava da filha, que tinha ele sobre pressão, não deixava fazer o que ele queria. Dizia ele:
“ - Foi pra isso que eu te criei, Eulina?...”
Também, não podia deixar... Ele era um sujeito doente... O Nazareth andava bem. Era um velho forte. Andava bem e ligeiro. Era desses caras que vê ele aqui e quando procura não vê mais. Ligeirinho. Ele conversava bem, apesar de conversar pouco, quase nada. O negócio dele era aquela preocupação... Era sair fora... Qualquer descuido, o “bicho” se mandava. Nada falava ou comentava da família. Ele me respeitava bem. Tinha a dentadura completa, muitos dentes tratados, era um cara de 1,65m, mais ou menos, tipo pícnico, gordo, redondo, baixotinho. Não tinha muita ruga. Ele estava sempre procurando “bater” piano, de qualquer maneira. O negócio dele era música. Ele se sentava em uma mesa, tratava logo de dedilhar o “piano” (imaginário). Fazia, até, as poses. No piano (de verdade), sua posição era normal, mas quando a música pede, ele mexe mesmo. Mas tocava bem... E a turma lá da Casa (Arthur) Napoleão gostava de quando eu chegava com ele lá. Conversava um bocadinho... Mas o negócio dele era:
“ - Eu sou melhor que vocês... Mesmo sem juízo ainda toco melhor que vocês!...”
E não saía disso. Ele não conversava nada a respeito de sua vida. Era um indivíduo indiferente, esquecia a vida particular dele. E nunca falou dele. Ele não tinha noção nem de se lembrar da vida dele. Todo sujeito se lembra quando está em uma certa fase. Nazareth tinha aquela loucura pelo piano, idéia fixa, e acabou. Não tinha mais nada. Com o Nazareth desprendeu um troço dentro dele e isolou o velho. O negócio dele era só aquele: sabia era só de música e a vontade de liberdade... Só queria sair...
Ele era um sujeito educadíssimo. Era boa praça, comia bem, mas, mesmo deitado, ele estava pensando em besteira... Se descuidasse, ele saía fora. O negócio dele era liberdade, tocar piano e sair fora. Era uma pena! Família bem posta, ele também... De repente, desmoronou o negócio. Desmoronou para os outros e para ele também. Mas, ele era um velho simpático, risonho, alegre, sujeito que ninguém que visse dizia que ele era um doente mental. Bem arrumadinho, bem ajeitadinho... Ninguém dizia que ele era vítima de qualquer coisa no sistema nervoso.
Bento d’Ávila
ÁVILA, Bento Manuel Moreira de. Entrevista concedida ao autor. RJ, 1979;