Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
GENEALOGIA NAZARETH
GENEALOGIA NAZARETH
Gente de Turquel, seus documentos,
tradições orais, mitos, lendas,
algumas fantasias e outras mentiras.
Por Gilson Nazareth
Mestre em Educação IESAE-FGV
Doutor em Comunicação
Uma família longeva, com empresa familiar sólida, através de pouco mais de dois séculos, e endógena, tinha tudo para criar sua própria história alimentada por fatos, fantasias e relatos mais críticos quando um ramo se sentia prejudicado por outro nas sucessivas partilhas. Então, a endêmica maledicência luso-brasileira era aí exercitada.
Nossas notícias mais antigas são tão frágeis quanto mais afastadas estão no tempo e tão vagas quanto é vaga a memória da mais velha avó.
Nossa grande fonte de informações foi um avô amantíssimo, mas fanfarrão, verboso, magnífico causer e contador de causos, Edgard Nazareth, meu querido avô. Era dentista, fiscal do imposto de renda, músico amador, jornalista, dono do jornal A Zona no interior paulista, ativista político que fazia a política do senador Azeredo e, sobretudo, um homem de imensa cultura geral, embora mais para a informação e superficialidade do que para o conhecimento científico profundo.
Não havia assunto no qual ele não brilhasse e discorresse por horas. Era um bonito homem, educado e encantador, e suas duas sucessivas esposas morriam de ciúmes dele. Um especialista em generalidades como quase todo jornalista e/ou homem de comunicação.
Muitas de suas informações parecem fruto de leituras e não de tradição oral. Mas foi conversando com ele, aos oito anos, que comecei a perceber que tínhamos uma história familiar.
Meu bisavô paterno-paterno, Alberto Nazareth, morava na velha fazenda das Palmeiras, em Inhaúma, lar ancestral dos Nazareth desde o século XVIII e constituída em sesmaria de nosso antepassado Antonio de Sampaio, que foi um dos fundadores da cidade do Rio de Janeiro. Quando a conheci já se reduzira a um grande sítio.
As histórias contadas pelos Nazareth velhos, pois alcancei meu bisavô vivo, muitas se referiam àquelas paisagens e construções. Quando soube que os retratos espalhados pela casa se referiam aos personagens das histórias, pirei, tinha então oito anos, como já disse.
Apanhei um caderno, sentei ao lado de meu avô e comecei a perguntar e a anotar minha primeira pesquisa genealógica. Infelizmente, passei o caderno a limpo várias vezes; não guardei o original.
Passemos às histórias mais antigas:
Meu avô Edgard, o vovô Nazareth, contava que nos chamávamos Nazareth por nossa família ter trazido esta devoção das Cruzadas.
Em pequeno, acreditava piamente na história; em jovem, a classificava de delírio; mas, hoje, tenho uma posição mais equilibrada: a dúvida.
Explico o porquê da dúvida.
Nosso antepassado mais antigo, até agora levantado, era Fernandes Coutinho de Leiria.
Há Fernandes Coutinho de Leiria, contemporâneos dos nossos, que também se assinam Souza Coutinho, não posso garantir que sejam os mesmos.
Muito bem. A devoção de Nossa Senhora de Nazareth começa em Leiria.
Segundo lenda, Fuas Roufinho, ou que nome lá tivesse, governador de Leiria, foi seu primeiro devoto; o homem é contemporâneo das Cruzadas.
Acresce que Fuas Roufinho é avô do primeiro personagem a usar o sobrenome Souza.
No Felgueiras Gayo, uma das bíblias genealógicas portuguesas, os Nazareth que aparecem, até o século XVII, são todos da família Souza e só aparecem como nome de religioso ou de mulher.
No mesmo contexto há uma notícia totalmente solta. Vovô dizia que descendíamos dos abades de Games. Nunca encontrei esta referência geográfica. Por outro lado, verifiquei que em algumas famílias em decadência ficavam, por vezes, por último senhorio, uma abadia. Neste caso não casavam, eram religiosos, faziam os filhos naturais padres para que herdassem o último referencial de poder familiar. Se não é “vero” é bem “trovato”.
Para a história seguinte há um intervalo de séculos.
No século XVIII, nosso antepassado, Antonio Dias Coutinho, era almocreve, para o Brasil tropeiro, e tinha alcunha de “Conde”; os Souza Coutinho de Leiria descendem dos Conde de Redondo...
A profissão de tropeiro era considerada uma atividade menor, mesmo dentro da mercancia a qual ficava pouco acima do trabalho braçal.
Em diferente de genere de descendentes seus, ele é citado como sendo sempre visto levando suas bestas, pela estrada Leiria-Lisboa, com seus frutos e encomendas. Isto é levando os produtos agrícolas que produzia mais produtos dos outros. Nos mesmos documentos declaram que ele vivia de suas fazendas (seus bens), comércio e engenhos (habilidades que tanto podem ser mecânicas como artísticas ou intelectuais).
Os Nazareth, ainda assim não se chamavam, moravam ao lado da matriz de Turquel, sua cidade ancestral, e sua mulher foi sepultada dentro da igreja em local privilegiado. O casal deixou testamentos e bens.
Um tropeiro abonado e com ascendência, noras e genros da melhor gente local... Uma situação social pouco comum.
Tenho duas hipóteses para explicar o desajuste social: ou estavam em decadência e eram um ramo empobrecido e/ou bastardo dos Condes de Redondo, ou eram criados destes que estavam subindo socialmente e que incorporaram os sobrenomes dos patrões. Entre estas ligações aristocráticas estavam sucessivos casamentos com os Amado, de Leiria, descendentes de D. João II, Rei de Portugal.
O certo é que subindo ou descendo na escala social os, ainda não, Nazareth estavam em trânsito social no século XVII.
As notícias seguintes são do século XVIII.
Um de nossos tios foi particularmente bem-sucedido, José da Silva Turquel, Comissário de Comércio de Carreira para o Rio de Janeiro e Familiar do Santo Ofício. Descenderia dele a família Silva Nazareth de impressores e livreiros portugueses donos da ainda existente Livraria Nazareth. O impressor José da Silva Nazareth, no XVIII, lisboeta, tem uma produção conhecida e preservada de livros publicados.
José da Silva Turquel contratou a casamento de seu irmão Francisco da Silva Nazareth com uma senhora, embora ainda menina, da família Telles de Menezes, neta do sargento-mor Jordão da Silva, este irmão do Coronel Nunes da Silva, antepassado de Caxias e da maioria dos atuais Gurgel do Amaral.
Esta senhora descendia também do Luiz Cabral de Távora, Ouvidor do Rio de Janeiro, por volta de 1613, pelo ramo Cabral de Menezes.
Francisco da Silva Nazareth veio para o Rio de Janeiro, em inícios do século XVIII, para cumprir o contrato de dote e casamento.
Em terras cariocas, os Nazareth vão casar-se com as principais famílias da terra descendentes de povoadores como Antonio de Mariz Coutinho, personagem de O Guarani de José de Alencar.
As notícias seguintes são dos séculos XVIII e XIX.
Na primeira geração dos Nazareth nasceu, entre outros, Frei José do Paraíso, músico. Teria sido ele quem colocara o sobrinho, o futuro Maestro Francisco Manuel da Silva, nas aulas do Padre José Maurício Nunes Garcia.
Entra aqui outro personagem não totalmente esclarecido no parentesco conosco: D. José Caetano da Silva Coutinho, Bispo do Rio de Janeiro, Confessor do então Príncipe D. João, Comendador de Cristo, Fidalgo da Casa Real e que, depois, chefiou a delegação brasileira às Cortes Portuguesas quando no nosso processo de Independência.
Dado como tio conclui que era primo-velho, mas o exato grau de parentesco está para se comprovar documentalmente.
D. José Caetano da Silva Coutinho teria apadrinhado Francisco Manuel da Silva junto aos Bragança.
Segundo as querelas entre os diferentes ramos da família, dois teriam sido os fatores de enriquecimento da família:
Um ramo seria de trapicheiros, o que vai dar o comerciante de grosso trato e capitalista Sabino da Silva Nazareth Filho, o economicamente mais bem-sucedido de todos os descendentes do primeiro Nazareth e, ademais, casado com uma filha dos Rombo, italianos da Liguria, donos de casa bancária que durou mais de 50 anos, como se pode ver no Laemmert.
Sobre Sabino Filho contam-se muitas histórias, inclusive sobre seu apego exagerado ao dinheiro.
Sua mulher, Dona Girolama Maria Pascoalina Rombo, queria que ele comprasse um título de barão.
Para não gastar seu rico dinheirinho ele se recusava. Alegava que os titulares ficavam conhecidos, quando compravam títulos, pelo nome da obra ou evento que financiavam. Haveria os barões do Cais Faroux, os da segunda viagem a Campos. A obra da época era o Hospício e ele teria dito que não desejava ser barão do Hospício.
A mulher argumentou que ele, então, comprasse o título de conde papal.
Sabino exasperou-se dizendo que não seria nem barão do Hospício nem Conde do Pinico, como eram referenciados os títulos papais. Diziam que a única honra que lhes era concedida seria de apresentar o pinico ao Papa.
Outro ramo teria enriquecido com comércio de escravos e seria o ramo de Francisco Antunes da Silva Nazareth, O Chico da Loterias, concessionário das Loterias do Rio de Janeiro.
Sobre este, conta-se que, ao morrer, seu cocheiro, um mulato semi-analfabeto, teria lhe roubado a burra de dinheiro e arrematado a concessão que iria a leilão 24 horas depois de morto o concessionário.
Alguns ramos já haviam perdido a fortuna nos fins do XIX, passando a funcionários públicos e pequenos comerciantes. Entre estes está o ramo do compositor Ernesto Nazareth. Quanto aos matrimônios, os casamentos continuavam a se dar em família da mesma origem mercantil e/ou na boa sociedade burguesa carioca.
Alguns Nazareth foram rebeldes, como Cândido da Silva Nazareth, professor de português no Colégio Pedro II, que abandonou a família e o trabalho por paixão a uma dançarina de zarzuelas.
Desta nova união, Cândido Nazareth, agora ator e dono de companhia teatral, teve prole famosa: Zilka Salaberry, Lourdes Mayer e Geraldo Iglésias, entre outros.
Nossa família, que se desuniu durante os inventários, pode agora, face ao desmonte das fortunas, reunir-se em torno da mística do parentesco.