Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
ARNALDO REBELLO
ARNALDO REBELLO
Conheci o pianista Arnaldo Affonso Rebello, nascido em Manaus, aos 7 de junho de 1905, por intermédio de uma amiga em comum, a também talentosa musicista Maria Alice Saraiva, de saudosa memória. Compositor e professor, Arnaldo costumava organizar, em seu apartamento, à Praia do Flamengo, sempre no primeiro ou último domingo do mês, não me recordo mais, um sarau artístico.
Maria Alice levou-mes a um desses e, a partir dai iniciou-se fraternal amizade entre mim e o emérito pianista. Era o ano de 1983. E em dado momento, àquela noite, perguntei ao anfitrião, depois que tocou Desafio e Lundu do Titio Joca, ambos de sua autoria, e Brejeiro e Confidências, de Nazareth, se ele havia conhecido o compositor carioca.
- Nunca tive a oportunidade de conhecê-lo. Entretanto, me dava com a filha dele, Dona Eulina, e fui colega de um filho, Diniz, quando trabalhávamos nos Correios e Telégrafos. Diniz era doente mental, mas, ainda assim, era o melhor funcionário da nossa seção. Não faltava nunca!... Chegava sempre na hora, ía direto pra mesa dele e começava a trabalhar. Não saía da mesa nem pra tomar um cafezinho, ou mesmo bater um papinho...
Argumentei, então, se esse não seria um comportamento louvável da parte de Diniz...
- Certamente que sim. Mas, o problema estava no exagero. Mesmo uma paixão amorosa, se ela descamba para o obsessivo, aí já entra o maníaco, o psicótico, o compulsivo e por aí vai...
- Eu nasci em Manaus, e foi exatamente lá, por volta de 1914, que fiquei sabendo que existia, no mundo, um certo Ernesto Nazareth. Eu deveria estar com uns oito ou nove anos, e passeando, um dia, com minha mãe, pelo centro da cidade, cruzamos com um homem distribuindo, entre os transeuntes, uma partitura que fazia propaganda de certa cerveja muito apreciada por lá. Uma dessas partituras achei caída na calçada, e guardei-a comigo, até hoje. Por isso, essa música, o “tango” Topázio Líquido, tem um significado muito especial para mim. Dificilmente dou algum recital de música brasileira no qual não a inclua.
- Mais ou menos em 1928, 1929, eu já morava no Rio, há alguns anos, e estudava no Instituto Nacional de Música, atual Escola de Música. E para ganhar uns trocados tocava, escondido das minhas irmãs, em algumas casas de música. Tinha que ser escondido porque tocar em casas de música, na mentalidade delas, era algo desqualificante.
- Um dia, um senhor ficou me ouvindo, certo tempo, e depois me fez um convite para tocar em uma reunião, à noite, em sua casa. Me ofereceu 200 mil réis. O dinheiro era bem razoável, mas a que horas terminaria a tal reunião?... Que desculpas eu daria às minhas irmãs?... Então, eu disse que sentia muito, mas não podia aceitar. O senhor insistiu, insistiu... Eu recusei, recusei... Até que ele chegou e disse que já havia procurado pelo Ernesto Nazareth e que ele não podia ir porque estava doente!... Para mim, aquilo foi uma consagração. “Substituir”, entre aspas, ao Ernesto Nazareth era uma honra... Mas, ainda assim, não tive como aceitar...
Em outro momento de nossa conversa, Arnaldo desabafou:
- Mesmo tendo sido, de certa forma, contemporâneo dele, jamais cheguei a conhecê-lo pessoalmente, como já disse; mas, fui o primeiro pianista de formação clássica a tocá-lo em público, em recitais. Hoje, todo mundo toca Nazareth. Tem até um aí que se arvorou dono de Nazareth...
Por curiosidade, quis saber se esse “dono” seria o festejado pianista Arthur Moreira Lima...
- Não, é um que se diz “herdeiro” de Nazareth!...
Mas, professor, retruquei, esse sujeito sou eu!... Ele, sem graça, deu-me um sorriso, amarelo, trocou mais algumas palavrinhas e voltou para o piano.
Arnaldo faleceu em 8 de maio de 1984, aos 79 anos. E a última vez que tocou foi em uma audição particular a mim oferecida, pois no dia seguinte sofreu o infarto que resultou, depois de duas semanas de internação, em sua morte.