Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
A DÉCIMA SÉTIMA MORADA (1917)
A DÉCIMA SÉTIMA MORADA (1917)
Maria de Lourdes Nazareth, a doce “Marietta”, por causa de uma anemia que há tempos consumia-lhe a saúde, já apresentava, em seu pescoço, gânglios muito protuberantes, ou escrófulas, conforme se dizia. E como os médicos que cuidavam da filha de Ernesto Nazareth acreditavam que banhos de mar talvez trouxessem melhoras à jovem, por causa do iodo, a família, então, mudou-se para uma casa em frente à praia de Ipanema, à Avenida Vieira Souto, nº 158 (atual nº 192).
Lourdes havia gostado muito de um rapaz do Colégio Militar, “Arthurzinho”, no tempo em que tio Ernesto morava na Rua Visconde de Figueiredo. No final das aulas, todos os dias, ele passava em frente da casa para conversar com ela, que ficava na janela. Um dia, tio Ernesto, chegando em casa, presenciou o “namorico” dos dois e disse depois para ela:
“ - Apanhei-te, bonitinha!...”
Não se sabe. Talvez ele tenha terminado os estudos... Mas, o fato é que o rapaz, depois de algum tempo, nunca mais apareceu. E isso deixou Lourdes desconsolada. Ela era uma moça muito sentimental. Nunca mais foi a mesma. E olha que tudo não passava de um “namorico” de janela!... E ela, que já não era muito saudável, passou a comer quase nada. Quando ela estava lá em casa, de visita, chegava à hora do almoço e de tão pouquinho que ela comia, mamãe perguntava: “ - Lourdes, minha filha, hoje você vai sujar o prato com o que?...” E acho que foi daí que veio a sua anemia.
Julita Nazareth Siston
NAZARETH SISTON, Julita. Entrevista concedida ao autor. Rio de Janeiro, s/d;
A família Nazareth passou a morar no quarteirão entre as ruas Teixeira de Melo e Farme de Amoedo. Era um confortável porão alto, pertencente ao belo palacete do pintor português Antonio Coelho de Magalhães, de 54 anos, pai do também pintor Gaspar Coelho de Magalhães, de 30 anos, e avô das meninas Yolanda e Beatriz (filhas de Gaspar).
Em mais uma incrível coincidência, durante dez anos morei à Rua Prudente de Morais, nº 281, cujo imóvel fazia fundos exatamente com o quintal da residência dos Magalhães, ou seja, a casa de Ernesto Nazareth. De vez em quando, trepado no muro, avistava certa senhora, simpática, trajando sempre um vestido tão florido quanto algumas toalhas de mesa, alimentando um bando de gatos, que não sabia ser dela ou da redondeza. Tenho, hoje, a impressão de que se tratava de Yolanda Coelho de Magalhães, pois a outra irmã seria introspectiva e desconfiada.
- Ela era assim desde criança. Bastava a gente fazer uma visita ao seu Gaspar que a Beatriz ia logo se esconder debaixo da cama!...
Julita Nazareth Siston
NAZARETH SISTON, Julita. Entrevista concedida ao autor. Rio de Janeiro, s/d;
Em 1969, acompanhei a demolição do casarão, brincando, inclusive, entre seus escombros. Pouco depois, ergueu-se um monstrengo em mármore branco e varandas no mesmo local, tendo cabido, às filhas do pintor, em troca do terreno, os quatro primeiros apartamentos do prédio. Yolanda morreu na década de 1980 e Beatriz por volta de 1992. Solteiras, não deixaram herdeiros diretos. Mas apareceu um distante primo lusitano que, depois de vender os imóveis, voltou feliz da vida para Portugal. Quanto aos objetos de arte ou de valor sentimental que as irmãs cuidavam com tanto carinho, e avareza, o que não se negociou a preço de banana teve, literalmente, a lixeira como destino.
Completamente diferente das irmãs Coelho de Magalhães, posso citar duas outras vizinhas de Ernesto Nazareth, e minhas conhecidas de longa data: Laura e Mariana, filhas do ilustre médico Álvaro Alvim (1863/1928).
Sempre acreditando que os valores materiais só são importantes se revertidos em benefício da sociedade, “Laurazinha” legou à cidade do Rio de Janeiro, com aprovação da irmã, seu esplêndido palacete (estimado em US$ 10 milhões), situado no nº 176, da mesma avenida, e transformado, mais tarde, na Casa de Cultura Laura Alvim.