Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
AMENO RESEDÁ (1913)
AMENO RESEDÁ (1913)
Quanto à polca Ameno Resedá (Ch. 7427), composta e primeiramente publicada pela Casa Arthur Napoleão (Sampaio, Araújo & Cia.), esta foi dedicada a um rancho carnavalesco com o mesmo nome.
Em depoimento prestado ao Museu da Imagem e do Som-RJ, o simpático ex-carteiro Napoleão de Oliveira, responsável pela criação desta música, declarou o seguinte:
Eu era carteiro na Rua do Ouvidor e o Nazareth tocava na frente do Odeon. E eu saía do meu trabalho e sempre ficava ali escutando. Gostava daquelas músicas. Ele tocava muito bem piano. Ele era surdo (!). E eu cheguei perto dele e disse: - Maestro, eu faço parte de um grêmio, uma coisa pobre, de operário, gente de cor. E eu tinha vontade que o maestro fizesse uma musiquinha dedicada ao meu clube, uma recordação. Cheguei com humildade. Ele perguntou:
- Qual é o nome do clube?
Pegou um papel e escreveu (o nome do clube), e não disse mais nada. Então (eu disse) muito obrigado e ele continuou no piano.
Todo dia de tarde eu ia pra lá espiar... Ficar lá com ele... Ele me via lá de longe e continuava tocando... Um belo dia, eu cheguei e ele me chamou:
- Vem cá!
Abriu uma gaveta que tinha lá...
- Está aqui a música do seu clube, pode levar!...
Eu cheguei e entreguei ao Bonfiglio (de Oliveira). E foi nestas condições que ele escreveu. Ele era um grande pianista.
Napoleão de Oliveira
OLIVEIRA, Napoleão de. Depoimento prestado ao Museu da Imagem e do Som (RJ). Gravação realizada em 22 de outubro de 1969;
Quem também nos conta a respeito da polca Ameno Resedá é o grande e saudoso cronista Jota Efegê, em artigo publicado em O Globo. Vamos a ele:
ERNESTO NAZARETH
ATENDEU AO PEDIDO DE NAPOLEÃO
Esse Napoleão de quem aqui se fala, no ensejo da comemoração dos 120 anos de Ernesto Nazareth, que, nascido a 20 de março de 1863 e falecido (na imprecisão das datas) entre 1º e 4 de fevereiro de 1934, não pode estar agora junto ao seu piano, testemunhando o apreço de seus milhares de admiradores, não é o Napoleão Bonaparte, o bravo vencedor de muitas batalhas, o de Waterloo, aquele que amou a Josephina. O Napoleão aqui em referência tinha o sobrenome Oliveira e era funcionário dos Correios. Carteiro, no próprio de sua função, fazia longa caminhada e entregava a correspondência recebida por via postal. Tinha, então, pela manhã e à tarde, sobraçando pesada saca, que fazer chegar aos destinatários as cartas que lhes eram enviadas.
No trajeto que percorria, bem no centro da cidade, estava a Avenida Central (depois denominada Avenida Rio Branco) e a Rua Sete de Setembro. Justamente na esquina dessas ruas havia o Cinema Odeon onde, num estrado, Ernesto Nazareth, ali, na sala de espera, no intervalo das sessões, dedilhava o piano proporcionando uma encantadora audição aos que esperavam o término e o início da projeção do filme em exibição. Sempre que, à tarde, o carteiro Napoleão por ali passava, mesmo atrasando um pouco a entrega da correspondência, ficava ouvindo, atento, os saltitantes tanguinhos que Nazareth dedilhava nas teclas brancas e pretas.
Embora simples carteiro, entregador de cartas, Napoleão tinha, no rancho carnavalesco do qual fora fundador, certo destaque entre os associados. Era, ou fôra, diretor de canto, ensaiador, mestre de harmonia e exercera, também, outros cargos de relevo. O rancho aqui em referência, o Ameno Resedá, era famoso e, portanto, de sabido destaque no Carnaval carioca. Foi, portanto, com o objetivo de pedir ao grande pianista e compositor que o enlevava quando ouvia sua audição parado à porta do cinema, que, com a permissão do porteiro, subiu ao estrado e, então, se dirigiu a Ernesto Nazareth.
Com humildade, diante do famoso pianista que o atendeu solícito, Napoleão disse de seu objetivo. Era diretor do rancho Ameno Resedá, do bairro do Catete, onde um outro rancho, o Flor do Abacate, seu rival, tinha uma polca com esse nome, e era de autoria do trombonista Álvaro Sandin. Polca muito conhecida, ela deixava em posição inferior o seu rancho, o Ameno Resedá. Vinha, pois, tentar merecer a honra de ter também uma composição do famoso Ernesto Nazareth dedicada a seu rancho. Sem esquivanças, não se fazendo de rogado, Nazareth prometeu atender ao pedido que o carteiro Napoleão lhe fazia. Alguns dias depois, Napoleão voltava ao cinema Odeon e recebia a partitura da polca Ameno Resedá.
Orgulhoso de merecer o atendimento de Ernesto Nazareth o humilde carteiro desceu do palanque levando na mão o “canudo” de papel onde estava a partitura da composição pedida, a polca com o nome do famoso rancho. O rancho Ameno Resedá, dando título a uma polca, ficaria sendo no rol das muitas composições do sempre lembrado compositor e pianista Ernesto Nazareth uma das mais conhecidas e executadas. Este episódio, já relatado aqui, em O Globo de 10 de setembro de 1973, merecia ser lembrado, agora, quando o jovem Luiz Antônio de Almeida, num empreendimento merecedor dos mais amplos encômios, fez reviver na oportunidade dos 120 anos do consagrado compositor e pianista a sua obra e sua marcante presença na música brasileira.
Essa homenagem de Luiz Antônio de Almeida prova que a mocidade, mesmo na onda de inovações musicais dominantes, não esqueceu as figuras que, muito antes, já contribuíam para o renome alcançado pela música brasileira, à qual Nazareth deu sólida contribuição.
Jota Efegê
Em um domingo chuvoso, 20 de março de 1983, às 20 horas, para comemorar o centésimo-vigésimo aniversário do nascimento do compositor, organizei um recital na Sala Cecília Meirelles, com Francisco Mignone e Maria Josephina Mignone interpretando peças do nosso artista em arranjos de Mignone para dois pianos.
Entre os amigos presentes, destacaram-se Walter Siston, representando a família Nazareth, o escultor Bruno Giorgi, o embaixador Vicente Paulo Gatti, o maestro Aylton Escobar, os pianistas Aloysio de Alencar Pinto, Irany Leme, Juliana Wagner, Maria Alice Saraiva, Maria Beatriz Licurci Conceição, o veterano flautista Eugênio Martins, Ana Lúcia de Magalhães Pinto e Paulo Henrique Cardoso.
GLOBO (O). Ernesto Nazareth atendeu o pedido de Napoleão. Jota Efegê (João Ferreira Gomes). Rio de Janeiro, 31 de março de 1983;