Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
E O CARNAVAL CHEGOU!... (1934)
E O CARNAVAL CHEGOU!... (1934)
Sábado, 3 de fevereiro, deu-se início a festa mais popular do país: o Carnaval. O corpo de Ernesto Nazareth jazia submerso nas águas da represa. Todos, contudo, acreditavam que o grande músico estivesse perdido por alguma rua da zona oeste, sem ser notado, vez que a atenção do público, naquele momento, se voltava a um outro rei: o Momo.
Esse mesmo Carnaval, que nada tivera com sua música nacionalista, recebia a toques de pandeiros, zabumbas e tamborins, um rei fantoche, símbolo da devassidão, sem um silêncio sequer para reverenciar o verdadeiro Monarca que passava na serenidade da morte!...
Baptista Siqueira
SIQUEIRA, (João) Baptista. Ernesto Nazareth na Música Brasileira; ensaio histórico-científico. Gráfica Editora Aurora Ltda. Rio de Janeiro, 1967;
EVADIU-SE DE UM ESTABELECIMENTO DE CURA
AINDA NÃO FOI DESCOBERTO O PARADEIRO DO ENFERMO
Teve a sua epoca de notoriedade Ernesto Nazareth, inspirado compositor de tantos tangos melodiosos, de que elle mesmo era um brilhante divulgador ao piano, instrumento que tocava com execução e vivacidade. Floresceu no tempo de Aurelio Cavalcanti, que se celebrizou pela dolencia das suas valsas hespanholas, de Luiz Moreira, que depois se consagrou definitivamente ao theatro, de Julio Reis e mais alguns que dominaram nos ultimos annos do seculo XIX. Todos elles eram reclamados nas salas cariocas, quando as familias daquelles tempos, que não conheciam o jazz e o radio, festejavam com dansas as suas datas intimas, e as dansas de há quarenta annos atraz eram a polka militar, a schottisch, a valsa e a velha quadrilha, espirituosamente marcada pelos discipulos de Terpsychore que tinham bom humor e o improviso facil. Abalado no seu sistema nervoso há um anno, o velho compositor patricio internou-se num estabelecimento de cura mantido em Jacarepaguá pelo Ministerio da Saude Publica. Com a tranquilidade ali gozada era de se esperar que lhe voltasse a perdida lucidez. De indole docil, Ernesto Nazareth tinha permissão para, uma vez ou outra, sair do pavilhão e fazer passeios pelas alamedas da colonia, onde innumeros outros enfermos se entregam a actividades varias, na lavoura, na criação ou nas officinas. Ante-hontem, num desses passeios, o maestro Nazareth conseguiu, sem ser observado, ganhar a estrada Rodrigues Caldas, desapparecendo. Só mais tarde, á hora de recolherem os enfermos, é que foi percebida a sua ausencia. O administrador da colonia, sr. Antonio Gouvêa de Almeida, depois de inuteis batidas pelos arredores, resolveu communicar o facto ás autoridades do 24º districto, de cujo concurso espera resultar a descoberta do paradeiro do enfermo. O maestro Ernesto Nazareth conta 70 annos de edade, é mais ou menos robusto e tem a cabeça já encanecida. Na ocasião em que se evadiu trajava calça de linho branco e paletot de pyjama.
CORREIO DA MANHÃ. Rio de Janeiro, 3 de fevereiro de 1934;
ESTÁ DESAPARECIDO O
MAESTRO ERNESTO NAZARETH
QUEM DÁ NOTICIA DO CONHECIDO
COMPOSITOR MUSICAL?
Da colonia do Engenho Novo, Jacarepaguá, desapareceu na noite de 1 do corrente o compositor musical Ernesto Nazareth que se achava em tratamento naquela casa de saude.
Vestia na ocasião calça branca pijama e saiu sem chapéo.
Trazia o cabelo cortado rente.
Publicamos sua ultima fotografia no interesse de facilitar a elucidação do paradeiro do maestro Nazareth.
Qualquer esclarecimento poderá ser dirigido, por favor, a Sra. Eulina de Nazareth, travessa Dr. Araújo, n. 65.
Teve sua epoca nesta capital, como artista e compositor notavel, o eximio pianista Ernesto Nazareth.
O seu nome era acatado e pronunciado com orgulho e simpatia nos meios intelectuais.
Ele chegou a empolgar a população com as suas lindas e harmoniosas composições musicais que eram executadas nos salões da elite carioca.
Veiu depois a decadência do artista, oriunda de grave enfermidade, que o levou até á colonia de Alienados de Jacarepaguá, onde fôra internado, ha dez meses mais ou menos.
Ernesto Nazareth gozava, porém, de relativa liberdade. Era-lhe permitido passear pelo jardim do estabelecimento, para espairecer o seu sofrimento.
A sua evasão causou geral surpresa pois ninguém supusera tal.
O fato foi comunicado á delegacia do 24º distrito, cujas autoridades pediram o concurso da Delegacia Geral de Investigações para a captura de Ernesto Nazareth.
JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro, 4 de fevereiro de 1934;