Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
ACIDENTE OU SUICÍDIO?
ACIDENTE OU SUICÍDIO?
Duas versões circularam, à época, sobre a morte de Ernesto Nazareth. A oficial: acidente. E a extra-oficial: suicídio.
Mesmo responsável por essa biografia, nunca cheguei à qualquer conclusão sobre o assunto. Na década de 1980, ouvindo de contemporâneos do compositor suas respectivas considerações, estas também não me ajudaram muito.
Dona Esmeralda de Almeida Monteiro, ex-vizinha, por exemplo, acreditava em suicídio, sendo a sua opinião, no entanto, fundamentada unicamente em comentário de terceiros.
Depois, encontramos escrita na última página do prontuário do músico, a seguinte observação: “suicidou-se”. E recentemente chegou às minhas mãos uma entrevista com Jacob Pick Bittencourt (1918/1969), na qual o famoso bandolinista também afirma, por sua conta, tratar-se de suicídio.
COLÔNIA JULIANO MOREIRA. Jacarepaguá, Rio de Janeiro;
No fim das contas, praticamente se igualou o número dos que acreditavam em morte por suicídio com o daqueles que defendiam a acidental.
Naquela época, eu trabalhava como pagadora do então Ministério da Educação e Saúde. Eu todo mês ía à Colônia, só para pagar os funcionários. No mês seguinte a morte do Nazareth, eu ouvi de um funcionário, acho que era um rapaz do laboratório, um técnico, que ele, o compositor, teria sido vítima de uma violência sexual, por parte de outros internos. Isso é muito comum num lugar daqueles. E, a partir daí, traumatizado, ele teria procurado dar fim à própria vida.
Esmeralda de Almeida Monteiro
MONTEIRO, Esmeralda de Almeida. Entrevista concedida ao autor. RJ, 17 de agosto de l985;
Tem uma versão feita, que eu tinha dúvida, se ele havia se suicidado ou se havia sido vítima de um acidente. Isso foi uma coisa que a história nunca esclareceu suficientemente. E eu, curioso, (...) resolvi fazer uma pesquisa, e fui até o local onde ele faleceu; que, aliás, dizem que era uma cascata, no meio de uma floresta. E o negócio não era tão bonito assim... Era uma represa d’água da Colônia Juliano Moreira, onde ele faleceu, e eu cheguei à conclusão de que ele não foi vítima de um acidente. Ele suicidou-se, num momento de lucidez, que ele estava sendo vítima de uma doença mental. E diz: “ - Ah! Então, por que que não se noticiou?...” Porque não era elegante, àquela época, a notícia de um suicídio de membro de família requintada, como era Nazareth. Então, procurou-se silenciar, botar uma pedra nisso. Agora, 1965, nós não podemos chegar e esconder a história da música. Temos que fazer documentário e repor a verdade em seu devido lugar.
Jacob do Bandolim
JACOB (Pick Bittencourt) DO BANDOLIM. Programa “Show da Noite” (TV Globo). Entrevista concedida a Gláucio Gil. RJ, 6 de maio de 1965;
E, de fato, ele tinha pego a estrada que levava lá pra cachoeira. E quando chegou no fim da estrada, exatamente onde tinha essa cachoeira, pequena, mas quando enche, em tempo de chuva, aquilo fica uma beleza, e tem, embaixo, uma lagoa, um depósito de água, uma barragem pequena... E o Nazareth entrou pela subida do negócio, e subiu, foi subindo, escorregou lá em cima, no limo, que na sombra, no mato, não dá sol e cria muito limo... E ele escorregou no limo e caiu dentro da barragem. E morreu lá.
Bento d’Ávila
ÁVILA, Bento Manuel Moreira de. Entrevista concedida ao autor. RJ, 1979;
(...) alí estava o corpo de Ernesto Nazareth que, com certeza, teria procurado fugir, escorregando nas pedras, e morrera afogado... A minha impressão final é de que, em pequenos momentos de lucidez, ele não gostasse do ambiente e por isso procurou fugir, ao que consta, várias vezes. A minha impressão é de que não houve suicídio, mas, sim, acidente, ao procurar sair do lugar, em alguns momentos de lucidez ou, mesmo, ao contrário, de aborrecimentos com médicos ou outros pacientes...
Álvaro de Sousa Gomes
GOMES, Álvaro de Sousa. Depoimento por escrito feito especialmente para o autor. RJ, 14 de janeiro de 1985;
Quando o Nazareth morreu, o Dr. Carlos Sampaio Corrêa (diretor da Colônia) designou-me para fazer reuniões de inquérito para apurar a morte dele. A conclusão foi de morte por acidente.
Heitor Carpinteiro Péres
CARPINTEIRO PÉRES, Heitor. Entrevista concedida ao autor, por telefone. RJ, 21 de outubro de 1989;
A MORTE TRAGICA DO MAESTRO ERNESTO NAZARETH
O CORPO APPARECEU EM UMA COCHEIRA (sic)
Acaba de desapparecer, de maneira tragica, um dos maestros que mais impressionaram a alma popular brasileira, num largo periodo de quase cincoenta annos, produzindo abundantemente e com uma riqueza de inspiração tão do agrado do povo a quem os musicos classicos se tornam incomprehendidos e incolores, portanto. Era para esse povo que o maestro escrevia valsas langorosas, polkas saltitantes, musicava poesias dos nossos poetas, conseguindo assim realisar uma arte á parte, tudo calcado em motivos exclusivamente nacionaes. Referimo-nos ao maestro Ernesto Nazareth, figura que fez epoca. Tendo nascido a 20 de março de 1863, nesta Capital, Ernesto Nazareth, ao final de uma vida longa e de trabalho intenso, viu-se a braços com uma enfermidade que obrigou seus parentes a recolhel-o á Colonia de Psycopathas de Jacarepaguá. Alli estava o velho maestro em tratamento, havia dez mezes, quando no dia 1º do corrente, em um momento de delirio, conseguiu escapar-se do manicomio e embrenhar-se nas mattas. Avisada do que succedera com seu chefe, a familia Nazareth e amigos constituiram-se em turmas que deram uma demorada batida pellas selvas, á procura do desapparecido. Afinal, depois de penoso trabalho, um dos grupos foi encontrar o corpo no interior da cachoeira que abastece a colonia, já em adeantado estado de putrefacção. O facto foi communicado ás autoridades do 24º districto, tendo o commissario Paulo Nogueira providenciado para que fosse feita a remoção do cadaver para o Instituto Medico Legal. O extincto era filho do antigo despachante aduaneiro Vasco Lourenço da Silva Nazareth e deixa os seguintes filhos: D. Eulina de Nazareth, superintendente da Educação e Ensino Elementar; Srs. Diniz de Nazareth, funccionario dos Correios, e Ernesto Nazareth Filho, funccionario do Banco Italo-Belga. O enterro do maestro Nazareth realisa-se hoje, não se sabendo, até o momento em que redigimos esta noticia, em que cemiterio nem a hora.
GLOBO (O). Rio de Janeiro, 5 de fevereiro de 1934;
A MORTE DO MAESTRO ERNESTO NAZARETH
FOI ENCONTRADO O CORPO NO MEIO DA MATTA
Ha cerca de um anno foi internado na Colonia de Psycopathas, em Jacarepaguá, o maestro Ernesto Nazareth. Illudindo a vigilancia de dois enfermeiros que estavam destacados para guardal-o, o conhecido compositor evadiu-se da Colonia no dia 1º do corrente. Procuraram-no debalde. Hontem, á tarde, foi o corpo do maestro Nazareth encontrado na matta, proximo a represa, na estrada d’Água. Apresentava eschymoses no frontal direito e no supercilio. O local é accidentado, ingreme, todo pedregoso, quasi inaccessivel. Participado o facto á policia, o commissario Paulo Nogueira foi ao local e tratou de investigar. Parece que o maestro teria sido victima de uma quéda. O corpo foi removido para o necroterio. O maestro Ernesto Nazareth tinha 70 annos de edade. Era viuvo e residia á rua dos Araujos (Travessa Dr. Araújo!), n. 63. Deixou tres filhos que são: a professora Eulina de Nazareth, o Sr. Diniz Nazareth, funccionario dos Correios e o Sr. Ernesto Nazareth Filho, auxiliar do Banco Italo-Belga.
NOITE (A). Rio de Janeiro, 5 de fevereiro de 1934;