Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
A BELA “NENÊ”
A BELA “NENÊ”
Quanto ao baile da Ilha Fiscal, realizado em homenagem aos oficiais da esquadra chilena e último de nossa Monarquia (substituída pela República, seis dias depois), uma jovem se destacou muitíssimo por sua beleza e elegância. E tal beldade, segundo depoimentos de Julita Nazareth Siston e Nair Carvalho, teria, um dia, se interessado sentimentalmente por Ernesto Nazareth. Julita, sobrinha do compositor, não soube me dizer o nome da bela dama, só o seu apelido: “Nenê”. E Nair, filha de Gabriella Cruz Fagundes, antiga aluna e amiga do pianista, mesmo conhecendo-o, fez questão de jamais revelá-lo, acreditando que, desse modo, estaria evitando situação embaraçosa para os descendentes da encantadora criatura.
“Nenê”, segundo Julita, ficou viúva muito cedo, herdando razoável fortuna; o que a tornou independente... E cobiçada!... Certa feita, ao resolver tomar aulas de piano, indicaram-lhe o professor Nazareth, que passou a lhe ensinar. Porém, algum tempo depois, a discípula acabou se apaixonando pelo mestre; o que não seria inesperado, já que o nosso artista era um homem bonito, educado e sensível. Andava sempre bem vestido, com seus ternos de lã e veludo, de corte impecável; gravatas e plastrons de seda, punhos e lenços bordados; cabelos bem cortados e penteados em pastinha. E até seus sapatos, apesar das ruas empoeiradas da cidade, mantinham-se reluzentes, pois carregava sempre consigo um paninho só para lustrá-los...
Nazareth era o que se podia dizer: um rapagão. Possuía cabelos negros e lisos, e os penteava cuidadosamente, fazendo um topete alto. Era de estatura regular, de maneiras muito delicadas. O que logo atraía nele era a enorme simpatia que irradiava de sua pessoa. Na rua, falava com toda a gente. Tinha uma palestra agradável, onde se evidenciava o dom especial de se interessar facilmente pelos problemas dos outros...
Almirante
DIA (O). Ernesto Nazareth. Edigar de Alencar. Rio de Janeiro, 24 e 25 de março de 1963;
Ninguém que observasse aquele dândi dos trópicos poderia imaginá-lo levando vida de orçamento modestíssimo. E “Nenê”, tão plena de vida, mas fragilizada pela falta do calor de um companheiro, não resistindo mais a tantos encantos, aproveitou um dos momentos em que ambos se encontravam ao piano para beijá-lo impetuosamente. Tomado de susto, o músico levantou-se rapidamente e, quase correndo, saiu porta afora para nunca mais voltar!...
Nazareth era austero, sóbrio, encerrando-se em sua torre de marfim, pouco comunicativo, reservado e como alheado das coisas externas. Se acaso alguma aluna sua ousava “insinuar-se” para o seu lado, procurando “flertar” ou namorá-lo, era o suficiente para que ele não mais voltasse a sua casa, tal como aconteceu a uma jovem viúva de rara beleza, a quem conheci (cujo nome do falecido esposo, figura até hoje em uma das ruas principais de Jacarepaguá). Era tão bela que foi retratada a óleo por Rodolfo Amoedo. Durante o último baile do império, na Ilha Fiscal, foi destaque, por sua elegância e finura, merecendo um rodapé inteiro de um jornal da voga, a seu respeito. Não desejo divulgar-lhe o nome, conheci-a, contudo, bem, amiga que foi de minha família. Teve paixão por Ernesto Nazareth, porém foi por este repudiada; nunca mais tornou a vê-la. Deixou até de receber a mensalidade de suas lições.
Nair Carvalho
CARVALHO, Nair. Depoimento por escrito enviado especialmente para o autor. RJ, 8 de julho de 1984;
Se Ernesto Nazareth “nunca mais tornou a vê-la”, segundo a versão muito conveniente que chegou até os nossos dias, não podemos saber. Contudo, entre as assinaturas deixadas na lista de presentes à Missa de Sétimo Dia do compositor, encontramos a de uma certa “Viúva Cândido Benício”, que acredito tratar-se da bela “Nenê”.
Somente duas décadas depois de os depoimentos de Dona Julita e Dona Nair foi que consegui identificar a tão misteriosa “Nenê”. E tudo isso aconteceu casualmente quando pesquisava em um site dedicado à história de Jacarepaguá e deparei-me com uma fotografia de Cândido Benício da Silva Moreira, ilustre médico e político dessa região, nascido em 1864, ao lado de sua esposa Anna Rangel de Vasconcellos Moreira, a “Nicota”, que, segundo o mesmo site, seria descendente da família Rangel de Vasconcelos, muito tradicional em Irajá, filha de D’Antas Rangel de Vasconcellos, antigo Intendente (vereador) do Distrito Federal e neta do Coronel Rangel de Vasconcellos, cujo nome batizou um dos principais logradouros do bairro de Cascadura: a Avenida Coronel Rangel (atual Avenida Ernâni Cardoso).
“Nicota” casou-se aos 25 de maio de 1893, passando a residir, com seu esposo, em casa construída em 1885 e situada à Avenida que, poucos anos depois, levaria o nome de Cândido Benício, nº 2.610. Na condição de antigo morador de Jacarepaguá, cheguei a conhecer o velho casarão que abrigou, pelo menos até 1999, o Educandário Nossa Senhora da Vitória. Hoje, no local, existe um condomínio.
Enviuvando quatro anos e sete meses depois de casada, portanto aos 19 de dezembro de 1897, “Nicota”, ou “Nenê”, foi mãe de um único filho, Carlos (1897/1944), e faleceu em 1952, sendo sepultada ao lado de seus entes amados, no Cemitério do Pechincha, em Jacarepaguá. Não obstante, segundo meus cálculos, ela teria nascido por volta de 1873, ido ao “Baile da Ilha Fiscal” com cerca de dezesseis anos, se casado possivelmente aos vinte, enviuvado antes dos vinte e cinco e falecido na casa dos oitenta, aproximadamente.
À Missa do compositor, Dona Anna Benício fez-se presente acompanhada pela sobrinha Carlinda Rangel de Vasconcellos, filha de seu irmão Carlos D'Antas de Vasconcellos. E se fui leviano ao publicar a identidade da principal protagonista desses fatos, peço desculpas a todos, menos à memória da nobre senhora que ao assinar a lista de presença, por livre e espontânea vontade, obviamente não pensou em afrontar a família Nazareth com algo do tipo “olha eu aqui”, mas, sim, expressar em um simples gesto seu amor jamais esquecido.