Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
Sempre que alguém se prontificava a desenvolver qualquer tipo de pesquisa sobre a obra do compositor Ernesto Nazareth, podia contar com um sem número de publicações a orientá-lo nesse sentido. Mas se o assunto a tratar tivesse como tema a pessoa dele a situação mudava, pois, desde o tempo em que ainda vivia, não chegaram a cinco ou seis os artigos nos quais se dispensou mais atenção ao homem do que ao artista.
Heitor Villa-Lobos, Francisco Mignone, Mário de Andrade e Andrade Muricy, entre outros importantes compositores e musicólogos, deixaram impressões a respeito da obra de Nazareth. Porém, como disse, foram poucas as vezes em que se levaram ao conhecimento geral informações relacionadas à vida particular do ilustre carioca.
Sem dúvida, seria preciso reverter tal quadro ou, pelo menos, equilibrá-lo. E mesmo que para esse fim ainda se pudesse contar, a partir da morte do maestro, em 1934, com a disposição de filhos, nora, cunhada, sobrinhas, amigos, colegas e alunos, todos ávidos em transmitir suas lembranças à posteridade, infelizmente as iniciativas nessa direção foram raríssimas.
Somente a partir de 1963, ano em que se comemorou o centenário do artista, o homem Nazareth, ao que parece, começou a despertar um interesse maior; como podemos verificar nos artigos do já citado Andrade Muricy, Aloysio de Alencar Pinto e Mozart de Araújo, ou nos livros de Ary Vasconcelos e Baptista Siqueira. Todavia, mesmo que a maioria desses ilustres autores tivesse conhecido pessoalmente o pianista, seus textos ainda estavam longe de corresponder às expectativas.
Em 1976, contava com a idade de 14 anos quando, assistindo a um programa de perguntas da TV Globo, chamado 8 ou 800, ouvi falar pela primeira vez no nome de Ernesto Nazareth; sendo responsável por isso a pianista paulista Eudóxia de Barros (1937), que participava respondendo sobre vida e obra do notável compositor. Daí em diante, entusiasmado com a “descoberta”, resolvi investigar tudo sobre Nazareth em discos, livros, revistas e jornais antigos, e, também, entrar em contato com pessoas que se relacionaram com ele ou conhecessem bem o seu legado. Passava-se, então, às mãos de um adolescente igual a tantos de sua geração, a “missão” que renomados do passado jamais levaram a termo.
Compromisso assumido, comecei a freqüentar, ainda em 1976, o Museu da Imagem e do Som (RJ), contando, então, com a especial atenção de Henrique Foréis Domingues (1908/1980), o popular “Almirante”, e de sua assistente Adua Nesi (1949), com quem eu viria a trabalhar, anos mais tarde, junto à “Coleção Rádio Nacional”, da mesma instituição.
Três anos mais tarde, em 1979, para incrementar a série de providências com as quais vislumbrei “resgatar” o que ainda restava da memória do homem Ernesto Nazareth, resolvi transformar em livro as informações até então obtidas.
Em 1980, iniciei fraternal amizade com o filho e a sobrinha do músico: Diniz Nazareth e Julita Nazareth Siston, à época com 92 e 85 anos, respectivamente. Contudo, foi da parte de Walter Siston (1915/1988), esposo de Julita, ao me permitir acesso irrestrito ao acervo do pianista, que minha pesquisa recebeu sua mais importante contribuição, deixando de ser apenas mais um trabalho sobre a vida de alguém para se tornar uma biografia praticamente definitiva. E diante de tão rica e inédita fonte de estudos mais os conselhos do maestro Edino Krieger (1928), senti-me compelido a dedicar um tempo maior à obtenção dos conhecimentos necessários para melhor compreensão e aproveitamento de todas aquelas informações. Em setembro, do mesmo ano, passei a privar da amizade do maestro e compositor Francisco Mignone e sua esposa, a pianista Maria Josephina Mignone (1933); o que também ajudou-me a entender a arte do meu biografado.
A partir de 1981, dois importantes mestres da musicologia brasileira também se dispuseram a me orientar: José Mozart de Araújo (1904/1988) e Aloysio de Alencar Pinto (1911/2007). E criei, um ano depois, a “Coleção Luiz Antonio de Almeida”, constituída, principalmente, por documentação diretamente relacionada à presente biografia, e o “Projeto Ernesto Nazareth”, objetivando, este último, a preservação e divulgação da memória do ilustre musicista mediante organização do acervo da família, realização de palestras e recitais, entrevistas para jornais e revistas, programas de rádio, televisão, etc.
Com o falecimento de Diniz, em 1983, Julita tornou-se herdeira universal de Ernesto Nazareth e, nessa condição, pouco tempo depois, fez-me donatário de todo o acervo do músico, no qual se incluía o piano que ele recebera dos admiradores paulistas (posteriormente, doado ao Museu da Imagem e do Som, do Rio de Janeiro). Nesse mesmo ano, ainda encontrei na amiga Maria Alice Saraiva (1913/2001), pianista reconhecida por suas interpretações do autor de “Odeon”, mais uma valiosa colaboração.
Em 1985, pelo conjunto de atividades desenvolvidas com o “Projeto Ernesto Nazareth”, inclusive a pesquisa biográfica, fui agraciado, em São Paulo, com o Prêmio Moinho Santista, categoria juventude, na área da música erudita e popular; datando, dessa época, o início da participação do amigo French Gomes da Costa (1916/2000) como primeiro revisor de meus originais.
Dois anos depois, levei ao pianista Miguel Proença (1939) várias peças de Nazareth que jamais haviam sido editadas, o que resultou na gravação do disco Ernesto Nazareth Inédito, com seleção do repertório e texto de contracapa sob meus cuidados.
Em 1991, a rede inglesa de televisão BBC, canal 2, de Bristol, produziu um especial sobre Nazareth intitulado Tango Brasileiro, com a apresentação do pianista norte-americano Joshua Rifkin (1944) e direção do inglês Tony Staveacre (1942). Por indicação do pesquisador Jairo Severiano (1927) à jornalista Patrícia Kranz, encarregada da produção no Brasil, tornei-me responsável por toda a pesquisa biográfica utilizada no programa.
Já em 1993, Hiroyuki Makita, grande incentivador do intercâmbio cultural entre Brasil e Japão, convidou-me a assessorar o pianista Yukio Miyazaki (1949) na elaboração de dois álbuns com 41 peças de Nazareth, posteriormente editados em seu país.
No ano de 1995, dei início a primeira revisão geral de meu trabalho, contando, então, com a prestimosa assistência do amigo Agenor Pinheiro Rodrigues Valle (1936/2011).
Em 1996, foi a vez do pianista Marcelo Verzoni (1958) a prestar indispensável cooperação digitando, em seu computador, parte significativa dos meus originais. E, no ano seguinte, com os musicólogos Aloysio de Alencar Pinto e Vasco Mariz (1921), participei da criação de um CD-ROM intitulado Ernesto Nazareth - Rei do Choro, do qual se destacou, entre outras preciosidades, o depoimento que Francisco Mignone prestou ao cineasta João Carlos Horta, relatando um dos seus encontros com o nosso pianista.
Já em 2003, por indicação do pesquisador Humberto de Moraes Franceschi (1930) ao então coordenador do Setor de Música Brasileira do Instituto Moreira Salles, José Luiz Herência, o IMS agregou à sua coleção toda a parte documental do acervo do compositor. E no mês de agosto, o CD Ernesto Nazareth - Vol. II - Mestres Brasileiros, da pianista Maria Teresa Madeira, produzido por Marcus Pereira e texto (dos dois volumes) de minha autoria, recebeu indicação ao Grammy Latino na categoria “Instrumentista Clássico”.
Dois anos depois, prefaciei o livro Ernesto Nazareth - Pianeiro do Brasil, de Haroldo Costa; cedendo, a mesma obra, material iconográfico da “Coleção Luiz Antonio de Almeida”.
Mesmo não conseguindo, até então, publicar minha biografia, há muito já havia me tornado referência em Ernesto Nazareth, colaborando, sempre, com alguns dos mais importantes projetos envolvendo a memória do compositor.
Em 2009, sob a coordenação de Rosana Lanzelotte e Alexandre Dias, participei do site ernestonazareth.com.br, quando, pela primeira vez, veio a público, digitalizada, a obra completa de Ernesto Nazareth. Dois anos depois, organizada por Cacá Machado e Thiago Cury, também participei da edição agora impressa da obra completa em seis preciosos volumes.
Em 2012, precedendo as comemorações do sesquicentenário do compositor (a realizar-se no ano seguinte), ainda colaborei em mais um site, ernestonazareth150anos.com.br, com Alexandre Dias, Paulo Aragão e Bia Paes Leme, sob os auspícios do Instituto Moreira Salles.
Hoje, 2014, trinta e oito anos depois do meu “encontro” com Ernesto Nazareth, dei por encerrada a biografia.
Entretanto, não trabalhei ininterruptamente por essas três décadas. Foram muitos, realmente, os anos em que me vi debruçado sobre infindáveis anotações e leituras. Porém, quando me sentia exaurido, deixava tudo, por meses até, “decantando” em alguma gaveta, sendo o resultado desse “repouso” muitas vezes compensador. Outrossim, jamais estipulei prazos à sua conclusão, principalmente por tratar-se de iniciativa financiada com recursos próprios ou provenientes da generosidade de meu saudoso pai, Luiz Gonzaga de Almeida (1925/1999), e meus irmãos Denise Abreu de Almeida (1955) e Juarez Antonio de Almeida (1956), que sempre acreditaram nas minhas pretensões lítero-musicológicas.
Quanto à pesquisa, esta, certamente, não compreende somente o período de 1863 a 1934, ou seja, do ano em que o pianista nasceu ao do seu falecimento, pois julguei de interesse apresentar dados referentes tanto às genealogias dele e de sua esposa, Theodora Amália, como a citar as principais homenagens que seu nome e arte vêm recebendo até hoje. Também não me interessei em apresentar qualquer análise mais profunda de sua obra. Não sou musicólogo.
Esclareço, ainda, que tem sido comum encontrarmos em muitas biografias a utilização de um recurso que, dependendo da situação, pode-se considerar louvável ou mera apelação... Existem trabalhos que falam mais da época na qual viveu o personagem tema do que propriamente de sua vida. No presente caso, procurei dedicar atenção somente aos assuntos diretamente ligados à pessoa do artista e que, de algum modo, influenciaram seu estado de espírito ou mesmo sua obra. A proposta, aqui, não foi reescrever a história do Rio Antigo, absolutamente. Mas a história de Ernesto Nazareth!
Em seguida a presente introdução, o leitor encontrará um resumo biográfico, uma dissertação sobre o “tango brasileiro”, outra a respeito da importância do genial artista na história da nossa música e, ainda, um ensaio genealógico escrito por Gilson Nazareth, primo do compositor. Já na parte final, um levantamento das homenagens e recitais realizados até o ano de 2005, um estudo das famílias Soares de Meirelles & Castro Leal, o catálogo da obra (com datas de composição, primeiras edições e respectivas dedicatórias), o repertório clássico que o pianista interpretava e meus agradecimentos especiais.
Espero, com a publicação de meu trabalho, alcançar meu principal objetivo: o de levar aos corações, e não somente às estantes e monitores, o nome desse extraordinário brasileiro chamado Ernesto Nazareth.
LAA
CADERNOS BRASILEIROS. Ernesto Nazareth (1863/1963). (José Cândido de) Andrade Muricy. Ano V - nº 3. Rio de Janeiro, maio / junho de 1963;
MIGNONE, Francisco (Paulo). “Lição de piano”. Curta-metragem de João Carlos Horta (1977). Centro Técnico Audiovisual - CTAv / Funarte - Ministério da Cultura (EMVÍDEO). Rio de Janeiro;
REVISTA BRASILEIRA DE MÚSICA. Ernesto Nazareth - Flagrantes. Aloysio de Alencar Pinto. Ano II - nº 5. Rio de Janeiro, abril / junho de 1963;
REVISTA BRASILEIRA DE MÚSICA. Ernesto Nazareth - Flagrantes. Aloysio de Alencar Pinto. Ano II - nº 6. Rio de Janeiro, julho / setembro de 1963;
REVISTA BRASILEIRA DE CULTURA. Ernesto Nazareth. (José) Mozart de Araújo. Ano IV - nº 12. Rio de Janeiro, abril / junho de 1972;
SIQUEIRA, (João) Baptista. Ernesto Nazareth na Música Brasileira; ensaio histórico-científico. Gráfica Editora Aurora Ltda. Rio de Janeiro, 1967;
VASCONCELOS, Ary. Panorama da Música Popular Brasileira. II Volumes. Livraria Martins Editora. São Paulo, 1964;