Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
DENGOZO (1907)
DENGOZO (1907)
Em uma ocasião, cuja data não anotei, Dona Julita disse que o tio assinou alguns “sambas e maxixes”, em época não determinada por ela, com pseudônimo, pois sentia-se constrangido em colocar o verdadeiro nome em peças de gêneros tão populares. Realmente, existem dois “sambas” assinados por Toneser, que é um anagrama de Er-nes-to. Mas, em relação a “maxixes”, acredito tratar-se de um só, Dengozo.
O maxixe “Dengoso”, atribuído a Nazareth, na verdade foi escrito por Renaud, que ninguém sabe bem quem foi. O próprio Nazareth declarara não ser dele. A confusão toda foi devido ao editor francês Salabert, que costumava imprimir músicas de compositores das Américas e que levianamente cismou que esse Renaud devia ser o Nazareth.
Eudóxia de Barros
NOTÍCIAS EM PIANO FORTE. Nº 39. Eudóxia de (Campos) Barros (Lacerda). São Paulo, agosto de 1989;
Mesmo não encontrando qualquer vestígio desse “maxixe” no arquivo do compositor, também jamais tivemos em mãos uma publicação na qual, segundo as palavras de Eudóxia, “o próprio Nazareth declarara não ser dele” a autoria de Dengozo. Depois, quando a partitura dessa música veio à luz, pela mesma editora de Brejeiro, ou seja a Casa Vieira Machado (V.M. & Cia. nº 871), em setembro de 1907, data impressa no rodapé da segunda página, realmente observamos a assinatura de um certo Renaud.
Já o Prof. Aloysio de Alencar Pinto, por sua vez, vai mais longe ao afirmar, sem provar, que Salabert realmente seria o verdadeiro autor dessa obra e que simplesmente achou que ao imprimí-lo, lá fora, com o nome de Ernesto Nazareth, alcançaria lucros maiores.
Até o presente momento, não encontramos no catálogo de Francis Salabert nenhuma peça assinada por Ernesto Nazareth ou qualquer outro brasileiro, assim como também não observamos, mediante pesquisa na Internet, outra música da autoria de Renaud além de Dengozo.
Portanto, fica difícil acreditarmos que Francis Salabert tenha “levianamente cismado que esse Renaud devia ser o Nazareth”, segundo Eudóxia, ou que o nome de Ernesto Nazareth pudesse estar tão bem cotado no exterior a ponto de estimular qualquer editor à prática de artifícios desse gênero, segundo Alencar Pinto.
Tem mais: em o mesmo rodapé da edição de 1907, podemos ler “Prop. dos Editores”. Portanto, cientes de que nunca fizera parte do perfil da Vieira Machado imprimir obras de autores estrangeiros não consagrados, acrescentando-se o ridículo de se levar a público gênero absolutamente brasileiro feito pelas mãos de algum europeu ou norte-americano, só nos resta concluir tratar-se, realmente, de criação de autor nacional e próximo dos proprietários da casa.
Nosso pianista, como é sabido, tinha certa aversão à expressão “maxixe”, considerando-a uma evocação ao mau gosto. Daí, no momento em que se tornou autor de um, obviamente o veríamos escondido atrás de algum pseudônimo. Francês, naturalmente... Inclusive, observamos em Renaud as sílabas “re” (inversão de “er” de ernesto) e “na” (de nazareth).
Já em 1910, lá está Dengozo (12.041) gravado pela Banda da Columbia Records, trazendo no selo a classificação de “tango” e a autoria de um certo “B de Nazareth”. E, no ano seguinte, em gravação da Favorite Records, realizada aos 21 de maio, encontramos Dengozo (Disco nº 1-452.175 - Matriz 11480-0) pela Banda da Casa Faulhaber & Cia., já com o nome Ernesto Nazareth grafado corretamente no selo.
Pouco mais tarde, por volta de 1912, Dengozo apareceu editado na coleção de “tangos brasileiros” da Casa Mozart, juntamente com outros 24 “tangos” de Nazareth.
Em 1914, Jerome H. Remick & Co. (New York - Detroit) publicou Dengozo - “Maxixe Tango by Ernesto Nazareth - Musica Creole - The Famous South American Dances For Piano”. E, no mesmo ano, só por curiosidade, informamos que também saiu por Joshua W. Stern & Co. (New York), com escritório em Londres (Inglaterra) e Sidney (Austrália), Bregeiro - “Rio Brazilian Maxixe - By E. Nazareth. Introduced in América by Delirio & Luis” (casal de dançarinos).
O sucesso dessas duas músicas nos Estados Unidos da América foi, segundo o pesquisador Alexandre Dias, extraordinário. De imediato, Dengozo recebeu quatro gravações, todas com o nome de Ernesto Nazareth estampado no selo:
1) National Promenade Band (em cilindro da Edison Blue Amberol);
2) Joan Sawyer’s Persian Garden Orchestra (Columbia);
3) Prince’s Band (Columbia);
4) Victor Military Band (Victor).
Depois, ainda vieram cinco edições:
1) Dengozo - Brazilian Maxixe - By E. Nazareth - Published by A. J. Stasny Music Co. New York - Cleveland;
2) Dengozo - Brazilian Maxixe Tango - “The Latest European-American Craze” - E. Nazareth. Published by Will. Wood - New York - juntamente com Bregeiro (“The Celebrated Tango-Maxixe Bresilien”) - Ernesto Nazareth. Published by Will. Wood - New York - Arranged by Charles S. Fowler;
3) Dengozo - Maxixe - By E. Nazareth - “New Dance Craze Featured By The Masters Of Modern Society Dances” - Church, Paxon and Company - New York;
4) Dengozo - Maxixe - By Ernesto Nazareth - Popular Music Pub - Philadelphia;
5) Dengozo - Parisian Maxixe - By E. Nazareth - “New Dance Craze Featured By The Masters Of Modern Society Dances” - Cincinatti - Introduced in the Palais de Danse by Delirio and Luis.
O sucesso foi realmente tremendo, não se conhecendo outra música de autor brasileiro a alcançar, naqueles tempos, repercussão semelhante. E para se ter uma idéia, a dupla de cantores Joe Goodwin e Ray Goetz chegou a gravar, ainda em 1914, pela Edison Blue Amberol, a canção My croony melody, de Collins & Harlan, espécie de paródia de Dengozo, na qual, inclusive, em dado momento, os dois se dizem prestes a enlouquecer de tanto ouvir esta música.
Se pudéssemos listar os cinco maiores sucessos da música brasileira, de todos os tempos, na América do Norte, respeitando suas respectivas épocas, Dengozo estaria em o mesmo rol de Aquarela do Brasil (Ary Barroso), Mamãe eu quero (Jararaca e Vicente Paiva), Tico-tico no fubá (Zequinha de Abreu) e Garota de Ipanema (Tom e Vinícius).
Com a Grande Guerra (1914/1918), o mercado norte-americano se ressentiu quanto a falta de novidades estrangeiras, o que permitiu a Dengozo continuar sua trajetória de sucesso por mais quatro anos.
Pouco tempo depois, o célebre casal de dançarinos Irene & Vernon Castle incluiu o “maxixe” de Nazareth nas suas apresentações pelos Estados Unidos.
Em 26 de junho de 1919, quando o “President Elect of the United States of Brazil”, “Dr. Dom Epitacio Pessoa”, foi homenageado por “The Pan American Society of the United States”, no Hotel Astor de Nova Yorque, nossa ilustre autoridade ouviu pela orquestra do estabelecimento as duas únicas músicas que verdadeiramente poderiam representar, na concepção dos anfitriões, a música brasileira: Dengozo e Brejeiro.
Por fim, no “Catálogo da Edição E. A. M.”, publicado por volta de 1936, Dengozo apareceu na terceira posição de uma lista de 28 obras de nosso compositor:
NAZARETH (Ernesto) ............................. Adieu (Romance) ............................... 3$000
NAZARETH (Ernesto) ............................. Beija Flor (com letra) ......................... 3$000
NAZARETH (Renaud) ............................. Dengoso (maxixe) .............................. 3$000
NAZARETH (Ernesto) ............................. Brejeiro (tango) .................................. 3$000
NAZARETH (Ernesto) ............................. Corbeille de fleurs (gavotta) .............. 3$500
NAZARETH (Ernesto) ............................. Escorregando (polka) ......................... 3$000
NAZARETH (Ernesto) ............................. Escovado (tango brasileiro) ................ 3$000
NAZARETH (Ernesto) ............................. Faceira (valsa) .................................... 3$000
NAZARETH (Ernesto) ............................. Favorito (tango brasileiro) .................. 3$000
NAZARETH (Ernesto) ............................. Feitiço (tango brasileiro) .................... 3$000
EDIÇÃO E. A. M. (Ernesto Augusto de Mattos) - Cessionários exclusivos: Irmãos Vitale Editores. S.Paulo - Rio de Janeiro;