Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
OTÁVIO BEVILACQUA (1934)
OTÁVIO BEVILACQUA (1934)
NECROLOGIO
ERNESTO NAZARETH
O desaparecimento de Ernesto Nazareth do numero dos vivos, com um desenlace inesperado, para quem vira transcorrer sua existencia relativamente tão calma, veio pôr em fóco seu nome tão injustamente esquecido nos meios que se interessam pela produção folclorica do pais.
Ha mais de um ano havia Nazareth desaparecido do meio dos que o admiravam pela pessoa tão simples e bondosa e pelo estro tão ricamente colorido. Sim, porque, de fato, ha em sua assás volumosa bagagem uma porcentagem consideravel de trabalhos (vinte por cento ao menos) que póde ser considerada elemento de primeira ordem na produção do gênero.
Nesta, deixaremos, propositalmente, de lado, tudo que não fôr o que o artista qualificou, com propriedade ou não (não discutiremos aqui o caso) de “tangos brasileiros”. Para estes, sómente, volveremos a atenção acreditando estar aí sua grande atuação como cristalizador de uma fórma, genuinamente nossa, fixada ao seu influxo.
Não quer isto dizer que desconheçamos os antecessores e pares que teve Nazareth, alguns de indiscutivel valor. Não ha duvida, porém, de que a época foi marcada com sua figura, quando apareceu o primeiro tipo em que se sente fortemente uma resultante bem diferenciada e caracteristica, com o “tango brasileiro”.
Em 1932, já ao fim da vida, foi a primeira vez, se não nos enganamos, que se apresentou Nazareth em recital, fechado que vivia em sua timidez e modestia. A aragem que vinha correndo dera-lhe coragem bastante para vir a publico com os titulos a que tinha direito. O sucesso foi grande e justificado, apezar de não ter, ainda, sua produção, o destaque a que faz jús, o que só póde ser atribuido ás escabrosidades de tecnica nela contidas e que a tornam impraticavel pelos que se dedicam, em geral, ao gênero e não dispõem de grandes recursos pianisticos. Além do mais, ha ali, tambem, algumas finuras que não podem cair, logo, no gôsto do publico.
A originalidade de feitio, a graça, a verve sadia que ninguem póde desconhecer em grande parte dos tangos de Nazareth, dão para coloca-los em posição superior ao nível em que estiveram até agora. Sua alegria, seu sentimentalismo, seu pieguismo não envergonham pela grosseria, nem são explosões malsãs. Aquela musica não se casaria á palavra canalha, a pedir intervenção policial, nem, tampouco, ás malicias do cabaret. Ela é expontanea e curiosa pelo ritmo, pela melodia e pela harmonização e nada inferior a muita produção classificada no alto repertorio e tida como erudita.
Entre as atividades da Associação Brasileira de Musica, para 1933, estava planejada uma audição de tangos de Nazareth, executada por artistas nossos, precedida de uma analise sucinta.
O autor, porém, já estava recolhido e em precaria situação de saúde quando ela se devia realizar. E como a intenção era, justamente, homenagear o artista modesto e inspirado, dando-lhe o conforto, tardio, embóra, de uma solidariedade, ela foi adiada sine die.
A esta sessão Nazareth assistiria sómente para vêr alguem tocar qualquer cousa que ele, previamente, saberia ser obra sua. E veria, depois, aplaudirem-na calorosamente... Mais uma vez o destino se mostrou implacavel para quem através o ouvido nos dava o melhor de seu sentir - Nazareth estava quasi totalmente surdo.
Aqueles que não chegaram a dar á sua tão sensivel alma esta prova de afeto e solidariedade lamentam, hoje, ter acordado tão tarde, mas guardam um consôlo, fraco embóra, na intenção de não deixar morrer, por fracamente conhecida, uma das mais interessantes e limpidas manifestações do sentir musical genuinamente brasileiro.
O. Bevilacqua
REVISTA BRASILEIRA DE MUSICA. Necrologio - Ernesto Nazareth. O. (Otávio) Bevilacqua. Volume I - Março, 1934 - Iº Fascículo. Publicação trimestral do Instituto Nacional de Musica da Universidade do Rio de Janeiro;