Ernesto Nazareth - Vida e Obra - por Luiz Antonio de Almeida
CENTRO DE SCIENCIAS, LETRAS E ARTES (1926)
CENTRO DE SCIENCIAS, LETRAS E ARTES (1926)
Em 17 de julho, sábado, às 20 horas, no “Salão Nobre” do Centro de Sciencias, Letras e Artes de Campinas, teve lugar, com grande público, o terceiro recital de Ernesto Nazareth.
Programa:
I - Corbeille de fleurs, Adieu e Capricho; II - Celestial, Eponina, Pássaros em festa, Turbilhão de beijos, Helena e Noêmia; III - Atrevido, Ferramenta, Nenê, Bambino, Digo, Soberano, Labirinto, Plangente, Alvorecer, Carioca, Brejeiro, Odeon, Batuque e Apanhei-te, cavaquinho!...
Enquanto isso, mesmo em Campinas, Ernesto Nazareth não deixara de freqüentar as páginas dos principais jornais paulistanos, como se verifica na reportagem de O Estado de S.Paulo, feita, algumas semanas antes, em casa de Jacintho Silva.
COISAS DA CIDADE
UM ARTISTA BRASILEIRO
Conversava-se ha dias, numa roda, sobre o retrahimento da nossa alta sociedade quanto a festas intellectuaes e concertos, - quando um dos interlocutores observou:
- A mediocridade intellectual e artistica da nossa sociedade - do nosso escol social, como dizem as folhas, - revela-se ainda por outro facto: nunca se viu uma dessas familias ricas ou abastadas abrir os seus salões para um grande artista nosso ou estrangeiro. Soube-se, por acaso, que Magdalena Tagliaferro, a nossa grande pianista, tenha aqui tocado em algum salão particular? E Souza Lima? E Rubinstein? E Brailowsky? E Antonietta Rudge? E Guiomar Novaes? E Pery Machado (violinista)?...
- Com effeito, não ha em S.Paulo esse costume.
- Não ha, e essa falta só depõe contra o bom gosto das nossas familias que se prezam de distinctas e ricas. Entretanto, Souza Lima e Magdalena Tagliaferro tocam nos salões de familias parizienses: os argentinos opulentos da avenida Alvear, em Buenos Aires, convidam sempre para audições de grandes artistas as familias de suas relações. É um meio dos ricos se deleitarem e deleitarem os amigos, auxiliando e estimulando, ao mesmo tempo, os artistas de valor. E depois, como estes percorrem o mundo, recolhendo impressões, é a maneira de lhes dar a conhecer a vida social no que ella tem de mais intimo e precioso, que é a familia.
- Mas as familias ricas de S.Paulo - acudiu outro - não se preoccupam com essas coisas. De artistas, só merecem interesse para a alta roda paulistana, os de cinema...
Ora, quis o acaso que, na mesma noite, assistissemos a um concerto interessantissimo, numa residência particular. De familia abastada? - Longe disso. A sala de visitas não tem mobiliario a Luiz XV, nem tapetes carissimos - mas, assim modesta, vale mais, em bom gosto e distincção, que muitos salões dourados: é uma verdadeira galeria de arte, com telas numerosas e preciosissimas, reunidas pacientemente, amorosamente, por um verdadeiro conhecedor como ha poucos entre nós. E depois, a distincção e fidalguia tão simples e despretenciosa dos donos da casa, a simplicidade e o encanto das visitas, puzeram logo o intruso perfeitamente á vontade.
- Oh! É o senhor! Foi-nos dizendo á porta a amavel dona da casa. Entre e venha ouvir comnosco o Nazareth.
- Nazareth! Quem é?... - Um compositor brasileiro, e de musicas para piano, musicas admiraveis...
Estava já ao piano o compositor. Continuou a tocar sem se perturbar com a nossa chegada, aliás discreta. Musica simples e encantadora, bem longe da xaropada corriqueira que geralmente marca os passos aos dansarinos. Findo o tango - “Brejeiro”, se não nos enganamos - Nazareth teve logo rendida a assistencia. Tambem, a Vienna dansarina de 1860 se encantava com as valsas de Strauss, que ainda ha pouco, por occasião do centenario do “rei da valsa”, eram por um critico consideradas obras de arte. “Batuque”, “Turuna”, “Tenebroso”, “Nenê” são outras tantas pequenas obras de arte de musica essencialmente, fundamente brasileira, ora cadenciada e lenta, ora viva e ligeira, mas sempre repassada de languidez e doçura, e tão agradavel de dansar como de ouvir. “Apanhei-te, cavaquinho!”, por exemplo, é um desses achados felizes que dariam celebridade mundial a um artista que não fosse brasileiro como Nazareth, mas norte-americano, por exemplo...
- E sabe que nos Estados Unidos já se tocam os seus tangos? Disse alguem ao pianista. Sei que um viajante brasileiro deu a algumas orchestras americanas varios tangos seus e, a esta hora, as “jazz-bands” de Nova York já adaptaram aos seus instrumentos o “Apanhei-te, cavaquinho!” ou o “Batuque”... Nazareth ouvia sorrindo, ouvia com certa difficuldade, as mãos em concha no ouvido, e toda a sua physionomia era contentamento e gratidão. Viera passar tres dias em S.Paulo, com o seu amigo Jacintho Silva, e ha tres mezes que aqui está, rodeado de sympathia e apreço. E causa pasmo saber que este artista de talento tão espontaneo já precisou vender o tango “Brejeiro” por cincoenta mil réis... - P.
ESTADO DE S.PAULO (O). São Paulo, 18 de julho de 1926;